quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

Vacinação contra Covid-19 no Ceará pode ser finalizada em 2023, aponta estudo


Com poucas vacinas disponíveis para atender toda a população no Ceará, a campanha de imunização contra a Covid-19 no Estado pode ser finalizada no dia 31 de julho de 2023. É o que aponta a projeção da plataforma de vacinação do coronavírus do grupo ModCovid19, uma iniciativa do Instituto Serrapilheira em parceria com o Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria (CeMEAI), da Universidade de São Paulo (USP). O estudo comandado por pesquisadores de universidades brasileiras traz dados de quando será concluído o esquema vacinal de cada região do Brasil, a partir da observação do ritmo de aplicação das doses por dia.

Nas projeções, que tiveram início no dia 17 de maio, o grupo aponta o prazo final com base nos dados do Governo Federal, por meio da plataforma OpenDataSUS, que disponibiliza dados da vacinação no País. Com base nessas informações, o grupo apresenta quantas vacinas já foram aplicadas, quantas pessoas tomaram a 1ª dose, quantas tomaram a segunda e calcula o ritmo com que a vacinação ocorre naquele local. Para as previsões, os pesquisadores utilizam um modelo matemático que calcula a média da quantidade de vacinas aplicadas na segunda dose e o ritmo de aplicação nos últimos 30 dias na região. Ao fim, o resultado indica a projeção do final da vacinação, seja no município, estado ou País.

No caso do Ceará, conforme o painel do ModCovid19, foram aplicadas 2 milhões de doses desde o início da vacinação, em 18 de janeiro deste ano. Conforme o balanço do ModCovid19, atualizado na última segunda-feira, 31 de maio, o ritmo de aplicação no Ceará é de 8.249 doses por dia em relação à primeira dose (D1) e 5.627 na segunda dose (D2), o que prevê o fim da vacinação em dois anos, um mês e 29 dias.

Cada previsão é atualizada de acordo com a chegada de novas vacinas nos municípios e com o ritmo de aplicação das doses; o aumento ou a diminuição do prazo da vacinação depende da quantidade de imunizantes que cada região possui. Ao todo, o Ceará contabiliza 4 milhões de doses que chegaram ao Estado no período de quatro meses, com 30 lotes de vacinas entregues pelo Ministério da Saúde, no Plano Nacional de Imunização (PNI) contra a Covid-19. A população segue recebendo doses de três vacinas: CoronaVac/Instituto Butantan, Oxford/Astrazeneca e Pfizer/BioNTech.

O pesquisador do ModCovid19 Krerley Oliveira, coordenador do Laboratório de Estatística e Ciência dos Dados da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), explica que a plataforma busca ajudar os gestores municipais no enfrentamento da pandemia, além de poder disponibilizar à população uma transparência sobre a vacinação nos municípios. “O nosso objetivo com a plataforma é oferecer, aos gestores municipais e à população, dados importantes do processo de vacinação para que eles possam acompanhar o que vem ocorrendo no município. A ferramenta pode ser importante também para moradores de cidades pequenas, por exemplo, que não têm muitas informações sobre a vacinação na região”, destaca Oliveira.

Ainda conforme o pesquisador, a projeção pode diminuir em pouco tempo, à medida que há vacina no País. O prazo do fim da campanha está relacionado, principalmente, à falta de imunizante, e não necessariamente ao ritmo de vacinação. “Não vejo o ritmo lento de aplicação no Ceará. O que foi distribuído está muito próximo em relação ao que foi aplicado, não há uma distância grande de quantidade. O Sistema Único de Saúde (SUS) tem capacidade para vacinar rapidamente a população”, aponta Krerley.

Dentre os 184 municípios cearenses, cada cidade possui uma data final de vacinação considerada preocupante. Destacam-se os municípios de Crateús, Quixadá e Camocim, onde a plataforma projeta o fim da imunização para além de 2025. Nesse caso, Krerley explica o porquê de as datas entre Estado e municípios se distanciarem.

“Trabalhamos o ritmo médio de vacinação das segundas doses nos últimos 30 dias para o Ceará. O ritmo é proporcional ao total da população no Estado, onde a aplicação pode ser muito mais rápida do que um determinado município que não está aplicando as segundas doses de forma ágil, analisando também o total da população da região. Um município pode está aplicando mais primeiras doses do que segundas doses, com isso a projeção vai ser mais prolongada neste local. O fim da vacinação no Ceará não tem relação com o último município terminar a campanha”, explica o pesquisador.

Outro ponto que os pesquisadores apontam é que a plataforma poderá ajudar na tomada de decisão em políticas públicas municipais e estaduais, alertando caso alguma localidade perceba que muitas pessoas não tomaram a segunda dose, por exemplo. “Com informações mais precisas, é possível realizar campanhas de conscientização sobre a vacinação nas localidades”, explica o coordenador do Laboratório de Estatística e Ciência dos Dados da UFAL.

O professor e epidemiologista, membro do Grupo de Trabalho de Enfrentamento à Pandemia da Covid-19, da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Marcelo Gurgel, analisa que a principal limitação para o avanço da vacinação é a falta de vacina e não o ritmo de aplicação. “O Brasil tem condição de dar conta do avanço vacinal, se duvidar, até o fim deste ano, desde que tenha disponibilidade das vacinas. Nós temos um dos melhores programas vacinais de imunização, e o País teria condições de vacinar em um tempo muito mais curto do que a projeção nos mostra”, aponta Marcelo.

Ainda conforme o especialista, as projeções desfavoráveis e preocupantes sobre o fim da vacinação podem servir para alertar as autoridades e realizar uma mobilização para evitar o prazo preocupante da campanha. “Faz com que as pessoas entendam a gravidade do problema e busquem soluções”, complementa.

Com um dos melhores programas de vacinação no mundo, segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), braço da Organização Mundial de Saúde (OMS), o Brasil não se sai tão bem diante de uma emergência em saúde pública como a pandemia de Covid-19. O País é o 3º em número de mortes pela doença no mundo, atrás da Índia e dos Estados Unidos (EUA), segundo balanço da Universidade americana Johns Hopkins University (JHU). O País vem se destacando na demora para comprar vacinas e sofre com a lentidão na campanha de imunização.

No acompanhamento da vacinação contra a Covid-19 pela Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa), por meio da plataforma Vacinômetro, há uma diferença entre os dados da pasta com os consolidados na plataforma do Governo Federal. A plataforma estadual indica o total de 2.852.271 doses aplicadas no Ceará, conforme última atualização nessa quarta-feira, 2 de junho. Em comparação com os dados do Governo Federal, no qual foi registrado 2.204.410, há uma déficit de 647 mil doses não registradas.

Em relação às aplicações da primeira dose e segunda dose, a Sesa aponta 1,7 mil (D1) e 1.090.361 (D2), respectivamente. A diferença com o OpenDataSuS são de 1.442.316 na primeira dose e 762.094, na segunda dose, onde 319 mil e 328 mil doses, respectivamente, não foram registradas na plataforma do Ministério da Saúde (MS). Para o repasse dos dados da campanha de vacinação contra a Covid-19 de estados e municípios ao Ministério da Saúde, as secretarias estaduais utilizam a Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS), do órgão federal.

Ceará em busca de vacinas

Em março deste ano, o governador do Ceará, Camilo Santana (PT), assinou a lei, aprovada pela Assembleia Legislativa do Ceará (AL-CE), que permite a compra de 5,8 milhões de doses da vacina russa Sputnik V contra a Covid-19. Entretanto, os trâmites para aquisição do imunizante seguem de forma lenta. No dia 26 de abril, a Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) rejeitou pedidos de importação e uso emergencial da vacina no Brasil. A ausência de dados confiáveis sobre efeitos e os possíveis riscos da aplicação da vacina, que não estariam sendo disponibilizados pelo governo russo, foram as justificativas dos técnicos da Agência para não aprovar o imunizante.

O Governo do Ceará destacou que continua buscando a aquisição do imunizante russo para avançar a vacinação no Estado. “Cobramos fortemente da Rússia o envio da documentação exigida pela Anvisa que vai liberar o uso do imunizante no Brasil, e a informação que nós temos é que já foi entregue e está em análise pelo órgão brasileiro”, disse Camilo. Ele informou ainda que, mesmo com a vacina sendo utilizada em mais de 60 países, prefere ter a segurança da liberação da Anvisa para começar a aplicação. Nesta sexta-feira, 4, a Anvisa fará uma nova análise da vacina russa Sputnik V e da indiana Covaxin.

Uma iniciativa de imunizante cearense contra a Covid-19 vem sendo estudada por pesquisadores do Laboratório de Biotecnologia e Biologia Molecular (LBBM), da Universidade Estadual do Ceará (Uece), desde abril de 2020. Pode ser uma saída para o avanço na campanha de imunização. Após obter resultados satisfatórios na etapa pré-clínica com camundongos, o estudo agora espera autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para o início dos testes em humanos, que devem levar cerca de um ano.

Nomeada de HH-120-Defenser, a vacina cearense, caso autorizada, poderia ajudar na imunização daqui e de outros estados. Tratativas com instituições produtoras de vacina, como a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), estão em andamento. Ao todo, a vacina cearense passará por três fases após autorização da Anvisa:

Fase 1 - Adultos até 60 anos sem comorbidades. Mulheres grávidas não estão incluídas;

Fase 2 - Idosos acima de 60 anos com comorbidades. Mulheres grávidas não estão incluídas;

Fase 3 - População geral, abrange mulheres grávidas e crianças. 

O Brasil tem três fornecedores de vacinas: Instituto Butantan, Fiocruz e Pfizer. Eles são responsáveis pelas entregas semanais ao Ministério da Saúde. O órgão então distribui as doses recebidas aos estados, de forma igualitária e equitativa, e as Secretarias Estaduais distribuem aos municípios. 

Campanha de vacinação

Para o doutor em Ciência Política pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), Clayton Cunha Filho, a resposta para a projeção do fim da vacinação do Estado está relacionada à falta de administração do Ministério da Saúde. “Não tem vacina porque o Governo Federal não comprou. Demorou para responder contratos, como por exemplo as ofertas da Pfizer no ano passado, assim como as ofertas do Instituto Butantan. O Ministério da Saúde anunciou o convênio com o Butantan para a produção da CoronaVac e foi desautorizado em público pelo presidente do País. Isso tudo são coisas que geraram atrasos que, neste momento, não são mais superáveis”, comenta o professor.

Ainda conforme o cientista político, outra situação que afeta a campanha da vacinação no País são as atitudes do Governo Federal com países que são responsáveis por enviar matéria-prima para a fabricação da vacina no Brasil, como a China. Uma parte da AstraZeneca e a da CoronaVac são produzidas no País a partir de envio do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA), mas a maioria do insumo vem da China. “O Governo Federal cria brigas desnecessárias, provocações políticas sem sentido e fora de momento que, com certeza, atrapalham os trâmites burocráticos entre Brasil e China na produção de vacinas”, avalia Clayton. 

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