Preocupado
em ver o corpo do irmão por tanto tempo sobre o piso duro, ele decidiu
repousar a cabeça de Francisco em um pequeno travesseiro. “A gente sabe
que ele se foi, mas mesmo no final queremos dar um conforto, né”, dizia
ele, explicando a razão pela qual decidiu colocar o travesseiro para
apoiar a cabeça do irmão morto.
Ninguém
sabe do que Francisco morreu. João Batista acha que se tratava de um
infarto. “Não foi esse negócio de corona não, meu irmão infartou, ele
nem saia de casa”, dizia ele, enquanto o corpo de seu irmão era colocado
em um caixão simples pelos funcionários do SOS Funeral, um serviço
oferecido pela prefeitura de Manaus para famílias de baixa renda que não
tem recursos para arcar com os custos de sepultamento. “Ele tinha
hipertensão, diabetes, problema no coração, a morte dele não foi por
Covid não”, repetia. Após conseguir que o corpo de seu irmão fosse
removido, João Batista ainda precisou esperar horas para que o único
médico da cidade que estava atestando os óbitos domiciliares conferisse o
corpo de seu irmão e fornecesse os documentos necessários para o
enterro.
O
cadáver do aposentado Francisco das Chagas Freitas, 65, ficou sobre o
chão de piso de cimento entre a cama e uma mesa pequena que ele mantinha
na casa que vivia sozinho em um bairro da periferia de Manaus.
Desde
que o número de mortos começaram a crescer de forma exponencial em
Manaus nessas últimas três semanas, histórias como a Francisco e João
Batista tem se repetido com cada vez mais frequência. De acordo com
dados da prefeitura da cidade, só em Abril mais de 2 mil pessoas
morreram na cidade, um volume de mortes até 300% maior do que nos
períodos que antecederam a chegada do novo coronavírus
à capital do Amazonas. Desse total, estima a prefeitura, mais de um
terço das mortes aconteceram nas casas. “As pessoas não estão procurando
mais os hospitais ou não estão conseguindo atendimento, então retornam
para casa e falecem lá mesmo”, conta da diretora do Departamento de
Vigilância Epidemiológica de Manaus, Marinelia Martins Ferreira.
Demoras
como essas podem ser um problema considerável em uma cidade com
temperatura mínima de 24 graus nessa época do ano e com as máximas
superando com facilidade os 30 graus.
Demoras
como essas podem ser um problema considerável em uma cidade com
temperatura mínima de 24 graus nessa época do ano e com as máximas
superando com facilidade os 30 graus. “Amigo, sorte a sua que não estão
deixando a imprensa chegar perto dos baús frigoríficos do cemitério,
elas estão tão cheias que já não conseguem refrigerar mais nada”,
contava Roberto, um funcionário do serviço funerário do município de
Manaus que pediu para ter seu nome trocado.
Quem
mais tem sentido os impactos desse problema no sistema funerário de
Manaus são exatamente as famílias que estão precisando ficar com os
corpos de seus entes queridos por 12, 24 e até 30 horas(Yan
Boechat/Yahoo Notícias)
Tatiane
Magalhães, de 31 anos, esperou quase 12 horas para que o corpo de sua
avó fosse recolhido pelo SOS Funeral. Apesar da ansiedade entre seus
pais e suas tias, ela diz que a espera, no final, teve um lado positivo.
“Olha, eu estava falando com minha mãe, pelo menos tivemos a chance de
nos despedirmos dela, não foi um velório de verdade, mas foi como se
fosse”, dizia ela no final da manhã dessa quarta-feira. Deu tempo pra
quase todos os 13 filhos que ela teve virem se despedir, pros netos,
pros vizinhos.
Olizete
Magalhães tinha 85 anos de idade e morreu em sua cama. Os filhos e os
netos a enrolaram em um lençol e a colocaram sob a janela que dá para o
quintal. Um luz quente, típica da Amazônia, iluminava seu rosto nessa
manhã. “Agora teremos que enfrentar tudo o que estamos vendo na tevê,
cemitério lotado, caixão fechado, acho que no final foi melhor assim, se
pudesse, acho que pediria pra eles demorarem um pouco mais para nos
despedirmos melhor”, dizia Tatiane, emocionada diante da cena.