
Além de La Casa de Papel, uma mania brasileira que vai pela quarta temporada, o cinema espanhol emplacou dois sucessos na Netflix nas últimas semanas: O Poço (El Hoyo) e A Casa (Hogar).
O primeiro é um mirabolante (e, vamos admitir, sensacionalista) misto
de malabarismo visual, nojenteza futurista e tese social que pegou na
veia do público no momento em que a ameaça da Covid-19 se levantava.
Para A Casa, dou nota mais alta: trata-se de um
suspense de humor malvado sobre um sujeito que, tendo entrado numa maré
de azar que o obriga a trocar o apartamentão por um apartamentinho
acanhado, começa a invejar a vida do jovem ricaço que ficou com seu
imóvel – e, então, arma uma trama para ficar não só com a casa, mas
também com a vida dele. É meio chegado no absurdo, verdade, mas o final
tem uma nota perversa que é um clássico entre realizadores espanhóis, em
geral pouco amigos de finais felizes, mas muito afeitos a altas doses
de drama, lances intensos, traições terríveis e reviravoltas
imprevisíveis.
A seguir, oito sugestões para quem quer mais emoções à
moda ibérica:
O Aviso
Jon (Raúl Arévalo), que em 2008 viu ser melhor amigo
ser baleado diante de seus olhos em um posto de gasolina, começa a
suspeitar que existe uma correlação matemática entre as mortes ocorridas
nesse mesmo lugar em 1913, em 1955, em 1976 – e, calcula ele, a que vai
ocorrer dentro de dez dias no ano em que a história se passa, 2018. A
vítima, pensa Jon, será Nico, um menino de dez anos a quem ele manda um
aviso sobre o perigo na forma de um bilhete escondido entre as páginas
de uma revista. Fazendo um trabalho sólido, o diretor Daniel Calparsoro
(também de O Silêncio da Cidade Branca, sobre o
qual você lê logo abaixo) se movimenta entre as duas linhas narrativas
(e temporais) – a que segue os esforços de Jon e a que acompanha Nico,
compreensivelmente indeciso sobre qual atitude tomar em relação ao aviso
recebido.

O Silêncio da Cidade Branca
Unai (Javier Rey), um especialista em perfis psicológicos de
criminosos, volta ao trabalho um ano após a morte de sua mulher grávida
em um acidente de carro – e, no mesmo momento, alguém reinicia uma onda
de bizarros assassinatos duplos com a “assinatura” de um serial killer
que está há vinte anos preso e sempre alegou sua inocência. Diretor
também de O Aviso, o catalão Daniel Calparsoro se
preocupa mais com choque do que lógica, mas é bom no jogo de gato e
rato: não demora a que ele revele a identidade do autor dos crimes,
transferindo o suspense para o destino de Unai e sua chefe na polícia,
Alba (Belém Rueda, que você vê também em Perfeitos Desconhecidos) – será que também eles vão virar caça? De bônus, as locações sensacionais no País Basco.

Perfeitos Desconhecidos
O diretor Álex de la Iglesia, que fez fama nas décadas de 90 e 2000 com Ação Mutante, O Dia da Besta, A Comunidade e Crime Ferpeito
(recomendo todos eles), é um dos mais inventivos do cinema pop espanhol
e também um dos mais dinâmicos, capaz de fazer qualquer trama seguir a
toque de caixa. Aqui, nesta versão de um filme italiano, sete amigos de
longa data se reúnem para jantar no dia de um eclipse e “lua de sangue” –
noite de cachorro louco, portanto – e tomam a péssima decisão de
colocar todos os celulares na mesa: qualquer mensagem de texto ou voz e
qualquer ligação terão de ser compartilhados, no ato, com todo o grupo.
Segredos inconfessáveis vêm à tona e causam o maior forrobodó.
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O Bar
Mais um Álex de la Iglesia muito divertido: no centro de Madri,
com as ruas cheias, um tiro vindo não se sabe de onde mata um homem na
porta de um boteco; mais um tiro e mais uma morte se seguem. Impossível
saber se se trata de terrorismo, de um ataque a esmo ou de mortes
planejadas, com alvo certo. Presos dentro do bar e – compreensivelmente –
meio histéricos, os frequentadores se voltam uns contra os outros. De
novo, dá-lhe forrobodó à moda típica de De la Iglesia – em um mesmo
cenário, com pessoas obrigadas a atravessar juntas duas horas de tensão.

Um Contratempo
Um sujeito que se diz injustamente acusado por um crime narra
sua história à advogada que vai elaborar sua defesa. Toda a história,
desde o começo, sem deixar nenhum detalhe de fora, insiste a advogada. A
cada passo, ela desafia e contesta a versão dele – porque o promotor, o
juiz ou o júri o farão, e é preciso sondar as inconsistências. De onde o
empresário Adrián Doria (Mario Casas, também de A Casa),
principal suspeito no homicídio da fotógrafa Laura (Bárbara Lennie),
conta à experiente Virginia Goldman (Ana Wagener) como arrumou um caso
extraconjugal com Laura, também ela casada. Passados alguns meses de
aventura, diz Adrián, o arrependimento começou a bater e, discutindo com
Laura sobre seu desejo de romper, Adrián perdeu a direção do carro e,
no rodopio, colheu outro veículo, matando o motorista – ao que Laura
sugeriu esconder o corpo e livrar-se do automóvel em vez de chamar a
polícia. Isso é só o começo – bem o começo. O diretor e roteirista Oriol
Paulo é um aluno atento das lições de Alfred Hitchcock e de Brian De
Palma, e a cada passagem essa história se amplia, e revela-se uma outra
camada sob ela – e outra, e mais outra, numa espiral cujo centro real se
mostra sempre mais longe do que se suspeitava. É o meu preferido desta
seleção: luxuriante, cheio de reviravoltas e de acordes intensos.

Durante a Tormenta
Outro roteiro-direção do Oriol Paulo de Um Contratempo, outra história de crimes separados no tempo mas curiosamente interligados, como em O Aviso.
Em 1989, no dia da queda do Muro de Berlim, o garoto Nico, que adora
filmar a si mesmo tocando violão, morre durante uma longa tempestade
elétrica, ao flagar um crime e então fugir assustado, sendo atropelado
por um carro. Exatos 25 anos depois, a enfermeira Vera (Adriana Ugarte) e
o marido (Álvaro Morte, o Professor de La Casa de Papel)
mudam-se para a casa em que Nico morou – e, novamente, uma tempestade
elétrica precipita estranhos acontecimentos, entre os quais o despertar
de Vera em uma realidade paralela, em que os mesmos personagens aparecem
com as vidas rearranjadas. Oriol Paulo exagera um pouco na complicação
da história mas, como sempre, as engrenagens se movimentam de maneira
impecável.

Sequestro
Patricia (Blanca Portillo) é uma advogada que não tem o menor
problema em defender os piores tipos – daí ser tão plausível para ela a
história contada por seu filho pequeno, de que foi sequestrado por um
homem perto da escola e agredido por ele, mas conseguiu fugir. O menino
está mesmo assustadíssimo; mais ainda porque é surdo e perdeu o aparelho
auditivo na refrega com o criminoso – que, na delegacia, ele identifica
por meio de uma foto. De fato, Charlie (Andrés Herrera) tem um álibi no
mínimo duvidoso, uma ficha policial alentada e o hábito suspeito de
aparecer perto de Patricia e seu filho. Mas foi sempre um marginal pé de
chinelo; não faz sentido que ele tenha partido para o sequestro, nem há
motivo aparente para a escolha da vítima. O fio dessa meada dá nó atrás
de nó, até virar um emaranhado bastante esperto – mérito em parte do
roteiro de Oriol Paulo, o diretor e roteirista de Um Contratempo.
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Quem com Ferro Fere
A clínica de idosos na qual Mario (o ótimo Luis Tosar) é
enfermeiro-chefe recebe um paciente especial: Antonio Padín (Xan
Cejudo), chefão do tráfico na Galícia transferido da prisão por causa da
péssima saúde. Mario imediatamente monopoliza todos os cuidados a
Antonio, apesar do clima ameaçador que os filhos do chefão instauram em
torno dele. Altruísmo, abnegação? De maneira nenhuma. Mario, na verdade,
tem contas altas a acertar com um sujeito antes aterrorizante e que
agora acaba de cair indefeso nas suas mãos. A certa altura, o angu
encaroça feio: o diretor Paco Plaza, de [Rec] e [Rec 2], não pretende deixar ninguém sair ileso dessa trama de vingança.