domingo, 3 de dezembro de 2017

Tite ignora Temer e não vai a Brasília antes de embarcar para a Rússia

Tite Futebol e política fazem uma tabelinha famosa no Brasil. Mas o técnico Tite não quer continuar a jogada. Ao deixar o país rumo à Copa, a seleção tradicionalmente visita o presidente em Brasília. Desta vez, Tite foi claro. Ao ser questionado sobre como se sentiria ao lado do presidente Michel Temer, o treinador rebateu: "Não me sentiria à vontade com nenhum político. O meu meio é o futebol", disse o treinador à Folha no início da tarde deste sábado (2), em Moscou, onde no dia anterior participou do sorteio dos grupos da Copa do Mundo.

"Não se deve confundir uma coisa com a outra", acrescentou o técnico, que não contou na Rússia com a companhia do presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, acusado pelo FBI de ser um dos beneficiários do esquema de recebimento de propina para a venda de direitos de torneios. Desde 2015, o cartola não sai do Brasil.

Com a seleção apontada como favorita pelos técnicos que foram à Rússia, ele preferiu ser mais cauteloso após a festa em Moscou."Não tenho condição de prometer. Não sou demagogo", disse o treinador ao ser questionado se prefere vencer o Mundial ou dar espetáculo. "O processo que é importante. Eu quero que o Marcelo jogue aqui o que faz no Real Madrid. O Paulinho tenha o mesmo desempenho do Barcelona dentro da seleção", completou.

Na Copa, Tite disse não vai ser "repressor" e dará folga aos atletas encontrarem os familiares ou fazer um churrasco com bebida. "Não sou paternalista. Cada um assuma a sua parcela de responsabilidade em cima dos seus atos", afirmou o gaúcho.

Ele lamentou a falta de sorte da seleção no sorteio. O time escolheu a cidade de Sochi como base para os treinamentos, mas não jogará nenhuma vez no estádio local, que abrigará seis partidas do Mundial. Na primeira fase, o Brasil atuará em Rostov-do-Don, São Petersburgo e em Moscou. Os adversários serão, respectivamente, Suíça, Costa Rica e Sérvia.

Por isso, a delegação viajará um total de 7.376 quilômetro, somando deslocamentos aéreos entre ida e volta para Sochi. "Sem meias palavras. Não gostei. Lastimo", disse o treinador, que embarcaria de noite para visitar a cidade à beira do Mar Negro.

ENTREVISTA

Folha - Jorge Sampaoli [técnico da Argentina] disse que o Brasil é o favorito. Você compactua com a opinião dele?

Tite - Entendo as opiniões. Ele tem as deles e serve para as pessoas refletirem. Inicialmente, me parece que os grupos estão equilibrados. Alguns [grupos] já tem os favoritos claros. Por exemplo, o Grupo da Espanha e de Portugal. Eles são favoritos. A disparidade técnica deles para os adversários [Irã e Marrocos] é bastante acentuada.Isso não existe no grupo do Brasil. Veja a Costa Rica. Eles ganharam da Itália e do Uruguai e empataram com a Holanda, a Grécia e a Inglaterra no último Mundial. Eles não perderam para ninguém. Olha a pontuação do ranking da Fifa. Qual é a maior pontuação de enfrentamento entre seleções da Copa? É Brasil, segundo, e Suíça, oitavo. Ou seja, não tem como baixar a guarda. A nossa exigência é de alto nível. Mas esse grupo pode nos fortalecer na sequência.

Folha - Qual o maior desafio: ganhar a Copa ou dar espetáculo?

Tite - É o desempenho. Não tenho condição de prometer a conquista da Copa do Mundo. Não sou demagogo. Claro que quero vencer. Sou otimista. Mas é raso falar isso. Todos que estão aqui querem. O processo que é importante. Eu quero que o Marcelo jogue aqui o que faz no Real Madrid. O Paulinho tenha o mesmo desempenho do Barcelona dentro da seleção.Eles vão jogar na mesma posição que fazem nos clubes. O Diego vai fazer o que faz no Flamengo. Eles vão ter o desafio de reproduzir performance com o peso e a responsabilidade de uma Copa. Esse é o desafio. Mas cobrar o resultado é demagogia

Folha - A CBF anunciou na véspera do sorteio que a seleção ficará em Sochi. Na cerimônia de sexta, o Brasil não teve sorte e não vai jogar nenhuma partida lá. Fora isso, terá que viajar bastante. Essa logística te preocupa?

Tite - Sem meias palavras. Não gostei. Lastimo. Gostaríamos que tivéssemos um jogo em Sochi.O aleatório é o aleatório. Tínhamos que decidir antes. A minha prioridade era ter dois bons campos de treinamento, um hotel bem próximo para recuperação e alimentação. Sochi nos ofereceu isso. A estrutura de lá potencializa o nosso tempo.

Folha - Você vão ficar quase dois meses juntos. Como vai ser confinar os atletas tanto tempo para a disputa da Copa?

Tite- A minha experiência me permitiu dizer isso. O limite de ficar todos juntos é de oito dias. A partir daí, o "bom dia" do outro já ecoa.O que trago como ideia são períodos de folgas nos intervalos das partidas. Você quer namorar? Vai. Você quer encontrar os seus parentes? Quer faer um churrasco? Vai. Não sou paternalista. Cada um assuma a sua parcela de responsabilidade em cima dos seus atos. Não vai ficar com o técnico a repressão e a coação. Na seleção, o atleta tem que ter responsabilidade. Cada um precisa desse combustível. Somos seres humanos, somos emoção. Queremos ter momentos agradáveis dentro de uma seleção.

Folha - A seleção passa em Brasília antes de viajar para a Copa. Como evitar que a seleção seja usada politicamente?

Tite - O futebol traz por si só a responsabilidade de vencer por alguns princípios e não a qualquer custo. O técnico gosta de ser o mais competente, que os atletas façam com mais habilidade o seu trabalho.O aspecto político está à margem disso tudo. O futebol tem uma representação da emoção. A política tem uma responsabilidade muito maior, que é anticorrupção e o voto consciente. Não se deve confundir uma coisa com a outra.

Folha - Mas você se sentiria bem ao lado do presidente Michel Temer?

Tite -Sei que você está tentando me levar para falar especificamente do ato. Já te respondi em termos de ideia. Não me sentiria à vontade com nenhum político. O meu meio é o futebol. A responsabilidade do técnico é ser democrático, transparente, e não misturar com o outro lado.