Fim da escala 6x1 pode provocar redução nos salários?
PEC pede a adoção da semana de quatro dias de trabalho e gera discussões antes mesmo de começar a tramitar na Câmara
Se a escala de trabalho 6x1 acabar, os salários serão reduzidos? Em tese, não.
Porém, a questão não é tão simples quanto parece. Atualmente, a
Constituição Federal, em seu artigo 7º, prevê que a duração do trabalho
não pode ser superior a 8 horas diárias e 44 horas semanais. A CLT
também prevê tal jornada em seu artigo 58, de 8 horas diárias.
A proposta de Emenda à Constituição (PEC), feita pela deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), que prevê a redução da jornada de trabalho, ganhou destaque no noticiário após forte apelo nas redes sociais.
O
texto pede o fim da jornada de 44 horas por semana e a adoção de até 36
horas semanais de trabalho, mantendo o atual limite de 8 horas por dia.
Na prática, a proposta quer acabar com a escala em que o empregado trabalha por seis dias para folgar um, comum no setor de comércio e serviços, e, ainda vai além, propondo a adoção da jornada de trabalho de 4 dias.
"Hoje
com a escala que nós temos, esse trabalhador sucateado, mal pago, ele
vai para o trabalho, chega em casa exausto, só tem tempo para tomar seu
banho, para comer, descansar, porque no dia seguinte ele tem que
trabalhar de novo", declarou Erika Hilton em entrevista exclusiva ao Terra.
Segundo o texto apresentado pela deputada do PSOL, a ideia é que o trabalhador não tenha seu salário diminuído.
“Na história brasileira das relações de trabalho, os conflitos e
tensões em torno da jornada reduzida sempre foram alvo preferencial dos
empregadores e empregados, não obstante, por meio da luta dos
trabalhadores conquistaram-se o descanso semanal remunerado, férias,
licenças maternidade e paternidade, abono de faltas e outros direitos”,
diz trecho da proposta.
“A
situação atual explicita que é o momento de mais uma mudança na
legislação, mas agora em favor dos trabalhadores, empregados e
desempregados, que é a redução da jornada de trabalho sem redução de salário”, destaca outra parte da PEC.
Erika Hilton: ‘Modelo atual de trabalho no Brasil enriquece o empregador e sucateia o trabalhador’ :
Para o advogado Aloísio Costa Junior, especialista
em Direito do Trabalho, pode, sim, existir um impacto na remuneração.
“A remuneração dos trabalhadores que recebem um salário mensal não
poderia ser afetada porque, em tese, a remuneração cobre todas as horas
trabalhadas no mês. Mas certamente haveria um prejuízo aos empregados que trabalham por hora ou por tarefa. Existe a previsão legal dessa remuneração e isso se observa no dia a dia.”
A
também advogada trabalhista Claudia Abdul Ahad Securato explica o que
significa a premissa de não redução do salário trazida no texto da PEC.
“Por exemplo, o salário mínimo que a pessoa ganha para remunerar as 220
horas mensais que ela trabalha e as 44 horas semanais deverá ser o mesmo
valor pago para ela trabalhar 36 horas semanais e 180 horas mensais.
Então, para não ter diminuição do salário mesmo, essa é a proposta.”
Securato argumenta que, em diversos países do mundo, em que a escala 4x3
passou a ser adotada, foi dessa forma que a mudança foi conduzida. “Tem
uma rigidez absurda na produtividade para isso funcionar”, reforça.
Por
outro lado, ressalta que as empresas podem acabar sendo oneradas, tendo
que contratar mais funcionários para cobrir as lacunas de trabalho.
“Vai existir sim, um prejuízo para as empresas, mas existe uma
contrapartida para o trabalhador, porque é mais gente empregada”,
afirma.
“A princípio, entendemos que se
houver a redução da jornada de trabalho, poderá ser reduzida a
remuneração dos trabalhadores de maneira proporcional com a manutenção
do salário-hora”, opina o especialista em Direito do Trabalho,
engrossando o coro levantado por Costa Junior.
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Repercussão da proposta
O
apoio popular vem se mostrando expressivo. Uma petição online já conta
com 1,3 milhão de assinaturas em apoio à proposta, e nas redes sociais o
tema figura entre os mais discutidos no X (antigo Twitter), onde
internautas têm promovido a campanha e incentivado os parlamentares a
aderirem à causa.
Mas, o candidato à presidência da Câmara dos Deputados, o deputado federal Hugo Motta (Republicanos-PB), relatou preocupação com a proposta.
"Me preocupa muito, por exemplo, essa PEC agora recentemente
apresentada, essa 6 por 1, onde se criou um verdadeiro movimento nas
redes sociais a favor da PEC, que é um tema que nós temos e nós vamos
discutir, mas não ouvindo apenas um lado. Nós temos de ouvir, também,
quem emprega", declarou ele.
Para Nikolas Ferreira
(PL-MG), a medida é "populista" e o texto foi "terrivelmente elaborado".
"Muito cuidado com essas medidas populistas, porque, daqui a pouco,
você está fazendo escala 0x0, trabalhando 0 dias e ganhando também 0
reais", disse em vídeo publicado nas redes sociais.
O
deputado Gilson Marques, do Novo, afirmou em redes sociais que a PEC
restringe o livre comércio, diminui a produtividade e prejudica os
pequenos negócios.
O
Brasil é um dos países do G20 em que mais se trabalha semanalmente, de
acordo com dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A
jornada de trabalho média no País é de 39 horas semanais, a 11º maior
carga entre as maiores economias do mundo.
O país do
G20 com a menor jornada é o Canadá, com média de 32,1 horas semanais
trabalhadas. Na sequência, aparecem Austrália (32,3 horas) e Alemanha
(34,2 horas). Os países do grupo econômico global com maior jornada são
Índia (46,7 horas) e China (46,1 horas). A Arábia Saudita, que também
faz parte do grupo, não informa a jornada média dos trabalhadores.