Ex-policial afirma em delação premiada que a ideia era usar os terrenos para ganhar dinheiro com instauração de milícia
O ex-policial militar Ronnie Lessa disse em sua delação à Polícia Federal que as pessoas contratadas para matar a vereadora Marielle Franco (Psol-RJ) receberiam loteamentos no Rio que valiam R$ 100 milhões.
“Não é uma empreitada para você chegar ali, matar uma pessoa, ganhar um dinheirinho. Não. […] Era muito dinheiro envolvido. Na época, ele falou em R$ 100 milhões”, declarou Lessa. Trechos da delação foram exibidos neste domingo (26.mai.2024) pelo programa Fantástico, da TV Globo.
O ex-policial afirmou ter sido contratado pelo deputado federal Chiquinho Brazão (União Brasil-RJ) e seu irmão, Domingos Brazão, que é conselheiro do TCE-RJ (Tribunal de Contas do Rio de Janeiro) para assassinar Marielle. Ambos estão presos.
Segundo a delação, os matadores receberiam 2 loteamentos na Zona Oeste do Rio. Lessa afirmou que o objetivo era instaurar uma milícia no local e lucrar com produtos e serviços clandestinos. Também há menção a uma possível influência eleitoral.
“Então ali já teria a exploração de gatonet, a exploração de cones, a exploração de… qualquer outra coisa que a milícia explora. Venda de gás. […] A questão valiosa ali é o que? É depois, é a manutenção da milícia porque a manutenção da milícia vai trazer voto”, disse o ex-policial.
A motivação para realizar um crime seria um suposto interesse de Marielle de interromper uma expansão do negócio miliciano, de acordo com Lessa: “A Marielle foi colocada assim como uma pedra no caminho”.
O Fantástico disse que Lessa não explicou quando os loteamentos seriam entregues. De acordo com a Polícia Federal, não foi possível precisar especificamente qual era o local nem comprovar o suposto esquema para instaurar uma milícia.
“Não fui contratado para matar a Marielle como um assassino de aluguel. Não. Eu fui chamado para uma sociedade”, declarou Lessa.
O ex-policial relatou ter se encontrado com os irmãos Brazão 3 vezes para planejar o crime. Afirmou que Domingos foi mais ativo nas conversas. Teriam, segundo o ex-policial, encontrado-se em uma rua escura do Rio para realizar as negociações, mas a PF não comprovou a existência dos encontros no local.
“Foram por 3 ocasiões. […] O Domingos fala mais e o Chiquinho concorda. E o local escuro. O local até propício ao encontro assim, digamos que secreto, porque a situação pedia uma coisa dessa”, declarou Lessa.
Sobre a arma que foi usada para matar a vereadora, o ex-policial afirmou ter usado uma metralhadora. Segundo ele, o equipamento foi fornecido pelos mandantes do crime, que não queriam jogá-lo fora. Também declarou saber atirar “relativamente bem”.
“Uma pistola já resolveria. Não precisava mais do que isso. E ele veio com uma metralhadora”, disse Lessa.
O ex-policial cita algumas vezes o sargento Edimilson Oliveira da Silva, conhecido como Macalé, como cúmplice do crime. Afirmou que ele foi o responsável por entregar a arma que matou Marielle.
Marielle e o motorista Anderson Gomes foram mortos na noite de 14 de março de 2018. A vereadora havia saído de um encontro no instituto Casa das Pretas, no centro do Rio. O carro em que a vereadora estava foi acompanhado pelos criminosos até o bairro do Estácio, que faz ligação com a zona norte.
Leia abaixo a transcrição do que disse Lessa nos vídeos da delação exibidos pelo Fantástico na noite de domingo (26.mai):
“A gente que matar. Não tem problema. Eu aceitei de cara, sem saber até quem é. […] Não é uma empreitada para você chegar ali, matar uma pessoa, ganhar um dinheirinho. Não. […] Era muito dinheiro envolvido. Na época, ele falou em R$ 100 milhões, que realmente as contas batem. R$ 100 milhões, tipo, o lucro dos 2 loteamentos. […] Na época, como até hoje, eu não sei quanto está o dólar, mas dá mais de US$ 20 milhões. A gente não está falando de pouco dinheiro. Então isso aí foi um impacto. Ninguém recebe uma proposta de receber US$ 10 milhões simplesmente para matar uma pessoa. Uma coisa assim, impactante realmente.
“[…] A gente assumiu e, na verdade, já cria uma milícia mesmo. […] Então ali já teria a exploração de gatonet, a exploração de cones, a exploração de… qualquer outra coisa que a milícia explora. Venda de gás. […] A questão valiosa ali é o que? É depois, é a manutenção da milícia porque a manutenção da milícia vai trazer voto.
“[…] Então, na verdade, eu não fui contratado para matar a Marielle como um assassino de aluguel. Não. Eu fui chamado para uma sociedade. […] Foram por 3 ocasiões né [os encontros] e eles simplesmente… o Domingos fala mais e o Chiquinho concorda. E o local escuro. O local até propício ao encontro assim, digamos que secreto, porque a situação pedia uma coisa dessa. Isso seria muito mais inteligente do que sentar numa churrascaria para tratar de um assunto desse. […] Lá foi feita a proposta. A Marielle foi colocada assim como uma pedra no caminho. […] Ela teria convocado algumas reuniões, ou uma reunião, com várias lideranças comunitárias. Se eu não me engano, o bairro de Vargem Grande ou Vargem Pequena, para aquela área lá de Jacarepaguá. E justamente para falar sobre esse assunto, para que não houvesse adesão a novos loteamentos da milícia. Então isso foi o que o Domingos passou para a gente, assim, de uma forma rápida. Que a Marielle vai atrapalhar e nós vamos seguir isso aí. Para isso ela tem que sair do caminho.
“[…] Dentro dessa tratativa ele deixava bem claro o seguinte: o crime não poderia partir da Câmara dos Vereadores. [Foi exigência] do Rivaldo Barbosa. Exigência explícita. […] O Rivaldo disse que não poderia ser de outra forma. Ele foi bem firme nisso. Ele foi contundente: ‘Não é não, e não pode porque o Rivaldo não quer’. […] Falava o tempo todo para o Rivaldo: ‘Tá vendo que o Rivaldo já está redirecionando, virando o canhão para o outro lado’. Que ele teria de qualquer forma de resolver isso, essa questão, porque já tinha recebido para isso no ano passado, do ano anterior, e foi bem claro com isso: ‘Não, ele já recebeu no ano passado. Ele vai ter que dar um jeito’. Então ali o clima já estava um pouco mais tenso, a ponto até mesmo na forma de falar.
“[…] O Macalé disse que foi acionado por eles, que foi conversar com eles e dizendo que eles estavam revoltados da vida. Estavam incorporados porque o Rivaldo tava pulando fora. O Rivaldo virou as costas. E o Rivaldo alegou que não tinha mais como segurar. Fugiu à alçada dele e não tinha mais como segurar, que eles realmente tentaram até onde deu e perdeu o controle.
“[…] Na verdade, quando eu pedi a arma para o crime da Marielle, nós já tínhamos as nossas armas, mas eu não vou descartar se eu posso mandar vir outra, porque vai jogar fora, a princípio é descartável. Eu não jogaria a minha fora. Pô, manda aí uma aí, pô. A pessoa que quer matar alguém tem que ter no mínimo uma pistola para te oferecer. […] Eu pedi a ele [Macalé] para pedir uma arma, mas que não fosse um revólver, no mínimo uma pistola. Quer dizer, no mínimo, uma pistola já resolveria. Não precisava mais do que isso. E ele veio com uma metralhadora.
“[…] Eles bateram de frente. Da mesma forma que batiam de frente com a questão da ordem do Rivaldo, batiam de frente com a questão de devolver a arma. Eu falei: ‘Porra, que loucura é essa, cara? Isso é um tiro no pé, pô. Isso é um tiro no pé. Como é que você guarda uma arma que foi usada em um crime? Ficar chamando atenção dessa forma’. É uma coisa… Mas não seria eu que ia mudar de história.
“[…] Quando a gente está entrando no carro, ele lembra uma galera: ‘Pô, negão, tem que devolver o negócio lá. Vai logo lá devolver esse negócio, cara. O cara tem que botar no lugar’. Aí o Macalé rebate ele de novo. O Macalé vira e fala: ‘Pô, padrinho, tudo tem que ir para o lixo, cara. Tem que jogar isso fora’. Ele [a outra pessoa responde]: ‘Tu tá doido, rapaz? Não pode, não pode, não pode. Tem que voltar para o lugar. Pô, não tem como’.
“[…]Poucos dias depois, 2 ou 3 dias depois, nós fomos ao rio das [inaudível] pela manhã. […] Em determinado momento, já em 2017, se eu não me engano, ele veio com um assunto relacionado ao Marcelo Freixo. […] O cara tem 20 seguranças. Não tem tanto sniper no Rio de Janeiro. Eu posso até não ter o curso ser [inaudível] como sniper, mas todo mundo sabe que eu atiro no [inaudível] há muitos anos e todo mundo sabe que eu atiro relativamente bem e teria condições de fazer aquele disparo. No meio de 20 seguranças, eu acho que não vou ali provocar uma pessoa qualquer, a gente está provocando o Marcelo Freixo. Fui tirando isso da cabeça dele. Aí ele aceitou, não cobrou mais. Aí foi talvez a nossa 1ª entrada com relação a crime.
“[…] Essa, na verdade, é uma grande quadrilha. Tanto Chiquinho Brazão, Domingos Brazão, os milicianos que ocupam o terreno, fazem parte de uma quadrilha. […] A parte administrativa a nível de prefeitura, de União, isso aí eu não tenho ingerência. Mas eles têm. Essa parte eles resolvem. Eles são os políticos que estão trabalhando com isso. E eu não. Mas eu sou o cara da delegacia, eu sou o cara do batalhão, eu sou o cara que bota o dedo na cara do miliciano malcriado” .