Uma alteração na lei que criou o auxílio emergencial de R$ 600 pode
fazer com que o dinheiro seja apenas um empréstimo para os beneficiários
que se recuperarem financeiramente ao longo do ano.
Por conta de uma mudança feita pelo Senado e sancionada pelo
presidente Bolsonaro (sem partido), quem receber ao longo de 2020 mais
que o limite de isenção do Imposto de Renda (IR) terá que devolver
integralmente em 2021 o auxílio que recebeu —inclusive o dos
dependentes. As parcelas do auxílio não entram no cálculo da renda
anual.
Atualmente, não paga IR quem recebeu até R$ 28.559,70 no ano inteiro,
com salários, aposentadorias ou aluguéis, por exemplo. Esse valor pode
mudar para a declaração do ano que vem, mas ele não é atualizado desde
2015.
Ideia era compensar outra alteração, mas Bolsonaro vetou
A lei que criou o auxílio emergencial, publicada em 2 de abril,
exclui qualquer um que tenha recebido mais que R$ 28.559,70 em 2018.
Isso deixa de fora pessoas que tinham certa renda há dois anos, mas que
precisam da ajuda do governo na crise atual.
Depois que a primeira parcela dos R$ 600 já estava sendo paga, Câmara
e Senado aprovaram um projeto que acabava com esse critério. Em
compensação, foi adicionada a obrigação de devolver o auxílio se a
pessoa terminar 2020 com renda acima do limite de isenção do IR.
Segundo o senador Esperidião Amin (PP-SC), relator do texto final,
havia um acordo com o governo para aprovar as duas alterações, que
juntas formariam um critério mais justo para analisar quem tem direito
às parcelas de R$ 600 (ou R$ 1.200 para mulheres chefe de família).
Mas, de acordo com o senador, o governo descumpriu o combinado e
aprovou apenas a parte que lhe interessava. Com o poder de veto, o
presidente Bolsonaro manteve o critério que exclui pessoas por causa da
renda de 2018. Ao mesmo tempo, sancionou a medida que exige a devolução
do dinheiro para quem se recuperar ao longo de 2020.
Especialistas criticam a devolução misturada no IR
Com a mudança na lei já sancionada, a pessoa que terminar o ano de
2020 com renda superior ao limite de isenção (sem contar a ajuda
emergencial do governo) terá que pagar o IR mais o valor total do
auxílio que recebeu. As parcelas que os dependentes receberam também
precisarão ser devolvidas.
A Receita Federal afirmou que “está em estudo como a medida será operacionalizada”.
Especialistas em direito tributário afirmam que o texto legal é ruim.
Para o advogado Carlos Navarro, do escritório Galvão Villani Navarro, o
governo pode até cobrar Imposto de Renda sobre o auxílio emergencial,
mas não pedir a devolução integral junto com a declaração anual de IR.
Gabriel Quintanilha, professor da FGV Direito Rio, também critica a
mudança na lei. “Se houvesse a tributação pelo Imposto de Renda, eu
entenderia, porque o auxílio entrega às pessoas um poder de compra.
Agora, obrigar a devolução desse valor na declaração de IR é uma
situação que soa absurda. Transforma o auxílio praticamente num
empréstimo.”
De acordo com o senador Esperidião Amin, relator do projeto, foram
técnicos da equipe econômica do governo que propuseram a redação do
artigo que determina a devolução. O Planalto e o Ministério da Economia
não comentaram o caso até a publicação desta reportagem.
Por Uol