O presidente Jair Bolsonaro tem o direito de decidir sobre o "momento oportuno" para maior ou menor distanciamento social no enfrentamento do novo coronavírus, segundo o procurador-geral da República, Augusto Aras.
Em parecer, Aras afirma que, como o mundo passa por uma "crise sem
precedentes", repleta de "incertezas", não é possível avaliar hoje, com
precisão, se a estratégia de limitar a circulação de pessoas tem
eficácia para impedir o avanço da Covid-19.
Alegando preocupação com os efeitos da quarentena sobre o PIB e o
emprego, Bolsonaro tem travado um cabo de guerra com governadores de
todo o País, desde março. Na semana passada, em reunião com o ministro
da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, ele chegou a dizer que a economia vai
para o "beleléu",
neste ano, por causa da pandemia.
"As incertezas que cercam o enfrentamento, por todos os países, da
epidemia de covid-19 não permitem um juízo seguro quanto ao acerto ou
desacerto de maior ou menor medida de isolamento social, certo que
dependem de diversos cenários não só faticamente instáveis, mas
geograficamente distintos, tendo em conta a dimensão continental do
Brasil", escreveu Aras.
Para o procurador-geral da República, cabe ao Executivo definir qual o
grau mais adequado de isolamento social, levando em conta tanto o
sistema de saúde quanto a economia.
Neste domingo, Bolsonaro afirmou no Twitter que, para toda ação
desproporcional, a "reação também é forte". "Além do vírus, agora também
temos o desemprego, fruto do 'fecha tudo' e 'fica em casa', ou ainda o
'te prendo'", escreveu o presidente, numa referência ao governador de
São Paulo, João Doria (PSDB). Apontado como potencial presidenciável em
2022, Doria ameaça aplicar medidas mais duras - como multas e até prisão
-, caso a população não respeite o isolamento social.
O parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) deve ser
encaminhado hoje ao Supremo Tribunal Federal (STF). A Corte vem dando
sinais, porém, de que não vai dar aval a medidas que contrariem
recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), que defende limitar
a circulação de pessoas para impedir a propagação do vírus. No mês
passado, o ministro Luís Roberto Barroso proibiu que o governo federal
veicule qualquer campanha na linha "O Brasil não pode parar" que sugira
que a população retorne ao trabalho.
A posição de Aras, no entanto, colide frontalmente com o entendimento
de Barroso. Para o ministro do Supremo, o distanciamento social não é
uma decisão política do presidente da República, mas, sim, uma "questão
técnica", que se impõe para garantir o bem-estar da população - uma
opinião que também vem sendo defendida pela maioria dos governadores.
Enquanto Barroso "fecha a porta" para qualquer medida do Palácio do
Planalto que possa colocar em risco o isolamento, Aras deixa a
possibilidade aberta para o presidente, sob a alegação de que o cenário é
instável e cabe a Bolsonaro avaliar as medidas realmente necessárias,
considerando orientações técnicas e científicas de sua equipe.
"As decisões dos órgãos de governo sobre um maior ou menor isolamento
social como ferramenta de enfrentamento da epidemia de covid-19 levam
em consideração os avanços científicos, cujos esforços têm trazido a
cada dia dados novos a serem considerados e dependem de cenários fáticos
que estão em constante mutação", destacou o procurador.
Rejeição
Indicado para o cargo por Bolsonaro, o procurador-geral da República
se manifestou em ações movidas pelo Rede Sustentabilidade e pela
Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos (CNTM), que
acionaram o Supremo contra a campanha "O Brasil não pode parar". Aras
defendeu a rejeição das ações por algumas razões, apontando que não
ficou comprovada a existência da peça publicitária, que já saiu do ar.
O procurador também alega que o assunto já é tratado em ações que
tramitam na Justiça Federal de São Paulo, Rio e Distrito Federal,
havendo, portanto, outros meios jurídicos para resolver a controvérsia.