Rafael tem um longo histórico de atleta.
Dos 6 aos 16 anos participou de importantes competições de natação.
Depois, começou a fazer triathlon, completou 11 circuitos Ironman e três
competições mundiais. “Vou fazer 30 anos e nunca parei.
Bebo muito pouco, nunca coloquei um cigarro na boca, não tenho nenhum
problema respiratório...”, relata. No dia 9, diante de uma febre de 38,3
graus, tomou um paracetamol e seguiu com sua rotina normal. A febre
persistiu no dia seguinte, mas até então nada de tosse ou falta de ar.
No dia procurou um médico, que receitou dipirona, repouso e hidratação.
Mas
o coronavírus era mais que “uma simples virose”, como ele mesmo chegou a
pensar nesses primeiros dias de sintomas. Longe disso. Depois de sua
primeira ida ao médico, seu quadro começou a evoluir rapidamente. No fim
de semana começou a tossir desenfreadamente. “Era uma tosse seca. E por
causa da frequência você não consegue puxar ar”, conta. Na emergência
de um hospital, após fazer uma radiografia do pulmão, um hemograma
completo e outros exames, foi diagnosticado com bronquite. Voltou para a
casa com a indicação de dois antibióticos e corticoide. Três dias
depois começou a ficar desesperado. “De terça pra quarta já não dormi
nada, fiquei tossindo a noite inteira. Acordei falando para minha mãe
que precisava de ajuda. Falava por 30 segundos e ficava cansado, com
falta de ar. Já não conseguia encher o pulmão”.
A essa altura, com os
primeiros casos de coronavírus sendo notificados, já suspeitava que
pudesse estar infectado. Na quarta-feira, 18 de março, finalmente
decidiu ir para o hospital particular Monte Klinikum, onde estavam
realizando o exame. A tomografia de pulmão revelou um quadro
inflamatório avançado, típico de quem contraiu a Covid-19. Imediatamente
foi encaminhado para a UTI. A confirmação veio dias depois.
“Quando
botaram o cateter, uma mangueirinha para auxiliar na oxigenação, só com
isso já consegui respirar melhor”, conta o rapaz. “Era uma UTI de
cardiopatia que adaptaram para receber os pacientes com coronavírus e
manter o isolamento. Eu fui o primeiro a entrar, fui recepcionado por
todos os enfermeiros. No dia seguinte foi uma loucura, vi um monte de
maca passando, gente entubada...”, recorda. “Meu quarto era limpo o
tempo todo para que os médicos entrassem. A enfermeira dizia que a UTI
já estava 100% cheia e estavam todos morrendo de trabalhar”, relata.
A
passagem pela UTI foi rápida. Rafael foi transferido para um quarto
dois dias depois de dar entrada no hospital, e lá permaneceu por mais
três dias isolado com sua namorada —de acordo com o protocolo do
hospital, o acompanhante não pode deixar o lugar. Com a queda do
processo inflamatório, recebeu alta. Desde a última segunda-feira, 23 de
março, o casal permanece de quarentena e depende de outros familiares
para fazer compras no mercado. Ela também apresentou os sintomas do
coronavírus, mas se encontra bem e não chegou a ser diagnosticada. “Todo
mundo da família teve sintoma. Minha mãe está tossindo pra caramba, mas
não conseguiu fazer o exame. Continua fazendo quarentena”, conta
Rafael.
Um dia depois de dar entrada no hospital Monte
Klinikum, sua tia e prima também foram ingressadas no quarto, sem
necessidade de passar pela UTI. O roteiro foi similar: começou com dor
de garganta e febre e evoluiu para tosse seca, sensação de moleza, falta
de ar... Um diagnóstico de virose e a receita de antibióticos. E pouca
melhora. Thaís, de 26 anos, e sua mãe (que prefere não ser
identificada), de 65, testaram positivo para a Covid-19
dias depois da internação. Apesar dos fortes sintomas, o quadro de
Thaís não se agravou, de modo que ela permanece no hospital como
acompanhante de sua mãe, pertencente ao grupo de risco. Após mais de uma
semana de internação, ambas permanecem isoladas no quarto, à espera de
uma melhora significativa no quadro da matriarca.
“O
hospital segue um protocolo de tratamento, mas minha mãe não estava
reagindo aos remédios. O médico diz que a doença é extremamente nova e
que o quadro é instável”, relata Thaís, estudante de Engenharia de
Produção. Com o agravamento da infecção, o médico, seguindo o protocolo,
decidiu medicar a mulher de 65 anos com Reuquinol, cuja fórmula possui
sulfato de hidroxicloroquina. Normalmente prescrito para doenças como
lúpus, artrite e malária, sua eficácia contra o coronavírus ainda está em análise.
“O
médico avisou que é uma tentativa, que não tem nada certo ainda. É uma
pesquisa muito recente. Mas o hospital tem um acompanhamento muito bom,
os profissionais são muito preparados e demonstram muita preocupação",
destaca Thaís. “O que me assustava é que aumentavam o antibiótico da
minha mãe e o corpo não reagia. A gente mudou o antibiótico e ela
piorou. Nada funcionava, o indicador de infecção aumentava. Todos os
dias o médico vem aqui, faz todos os exames e toma providências”,
acrescenta. As primeiras 48 horas tomando Reuquinol também não alteraram
o quadro de sua mãe. O médico avisava que seu corpo podia ter criado
resistência e passaram a pedir paciência. Na última sexta-feira, 27 de
março, “ela finalmente apresentou alguma melhora e deu para respirar
aliviada”, relata Thaís.
Seu pai e irmão também
apresentaram os sintomas, mas se encontram bem e permanecem em casa.
Além de Rafael, Thaís e sua mãe, o casal anfitrião do evento familiar
também testou positivo para a Covid-19 e chegou a ser internado na UTI.
Dias depois receberam alta. Além deles, outros três convidados também
testaram positivo. Todos os demais tiveram os sintomas. “A última semana
foi bem puxada. Eu era a única pessoa acompanhando eles nos hospitais o
tempo inteiro. Eu que internei todos eles, então a pressão foi grande",
conta Laís, a estudante de medicina que auxiliou na internação de seus
familiares. “Só tínhamos notícia uma vez por dia. E fica essa tensão,
porque ninguém conhece a doença direito, não sabe o que esperar, fica
preocupado com os sintomas que cada um está sentindo...”, acrescenta
ela, que permanece em quarentena em casa.
Pronunciamento de Bolsonaro na TV
Diante
de toda aflição da família com o coronavírus, o pronunciamento do
presidente Jair Bolsonaro minimizando a doença, sobretudo entre os mais
jovens, causou surpresa. “Fiquei abismado, me arrepiei na hora”, recorda
Rafael. “Sinceramente, ele só pode viver em outro mundo, alheio ao que
acontece”, opina Thaís. “Na verdade, me deixou com medo, porque ele
consegue atingir determinadas pessoas. Muitos vão acreditar e viver a
vida normal”, acrescenta a estudante.
Rafael, que é
empresário, também rejeita o discurso bolsonarista e de alguns
empresários ―incluindo alguns amigos seus― de que a economia não pode
parar. Na última semana, o bolsonarismo mobilizou sua base e carreatas
foram realizadas em algumas cidades, com pedidos para a retomada das
atividades. “Entendo que está ruim para todo mundo, mas como podem dizer
que vai morrer mais gente de fome do que de coronavírus? Fica todo
mundo no achismo, com o presidente mandando todo mundo trabalhar...
Ninguém acreditava que na Itália morreria tanta gente", destaca.
Para
ele, o que o Governo precisa fazer é ajudar de alguma forma os
empresários a pagar o salário de seus empregados. Em seu caso, afirma
que não possui capital de giro suficiente para manter os cinco
funcionários de sua empresa e ao mesmo tempo se sustentar pelos próximos
meses. “Mas é preciso pensar no coletivo nessas horas. Se tiver condição de se sustentar e continuar pagando a diarista,
mesmo sem ela trabalhar, então pague. Tenho muito amigo empresário que
fica falando que não pode fechar a economia 100%, mas ele está lá na
casa dele tomando uma cervejinha com a família. E aí? E a pessoa que de fato vai passar fome?",
questiona Rafael. “Tem que descer o degrau, deixar de tomar sua
cervejinha durante um mês, deixar a zona de conforto. O que custa fazer
sua própria comida e limpar a casa? Eu vejo como egoísmo, sabe”,
prossegue. E conclui: “Se o pai de um deles estiver hospitalizado, quero
ver se vai manter a opinião de mandar todo mundo trabalhar. O que minha
família passou... Você nunca sabe do problema do outro até se colocar
no lugar da pessoa”.
Informações sobre o coronavírus: