Dos
amigos do tempo de quartel a jovens assessores, o núcleo de auxiliares
do presidente Jair Bolsonaro passou a evitar conversas francas com o
"capitão". A dificuldade de falar abertamente sobre seu comportamento
público, indicar deslizes e enxergar futuros problemas políticos ficou
evidente no começo deste ano, diante de um congestionamento de crises, e
ganhou proporção ainda maior com o novo coronavírus.
No
manual de sobrevivência do poder, apontar exageros nas teorias de
conspiração que entram no Palácio do Planalto é risco máximo. Tanto que
assessores moderados se calaram quando o presidente começou a escrever,
em conversas num grupo de WhatsApp, que a China tinha interesses na
pandemia por razões comerciais.
A
declaração se tornou pública na boca de outro Bolsonaro. Na noite de
quarta-feira, 18, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) escreveu no
Twitter que a "ditadura" da China escondeu "algo grave" e era culpada
pelas mortes. O filho do presidente teve de ouvir críticas do embaixador
da país asiático no Brasil, Yang Wanming, e da própria embaixada
chinesa, que respondeu, no Twitter, que o ataque era de quem contraiu um
"vírus mental".
Os
assessores silenciaram também quando o presidente foi além na sua teoria
sobre os chineses. Numa conversa com a presença de integrantes do
núcleo ideológico, a ala que alimenta as ideias radicais da Presidência,
ele disse que toda vez que a China enfrenta problemas econômicos surge
uma doença causando estragos no mercado mundial. E, para mostrar que
tinha razão, ainda escreveu que já começou a aparecer a possibilidade de
uma vacina contra o coronavírus.
Quem
tem acesso ao gabinete presidencial do terceiro andar do Planalto avalia
que o panelaço da semana passada poderia até ter sido evitado se
Bolsonaro tivesse aceito recomendações do seu ministro da Saúde, Luiz
Henrique Mandetta, para não participar do ato a favor do governo em
frente à Praça dos Três Poderes. Naquela manhã de domingo, nenhum
assessor pediu ao presidente para evitar cumprimentos e selfies.
Funcionários
mais antigos do Planalto observam que a falta de liberdade para pessoas
próximas apontarem erros expõe e fragiliza o presidente. Ali ainda se
aposta nos militares com mais proximidade para servir de escudo. Alguns
oficiais insistem e tentam registrar nas conversas com Bolsonaro
posições que consideram absolutamente necessárias e desagradáveis,
apesar da resistência e da intempestividade do presidente.
Solidão
A
dificuldade dos amigos em abrir o jogo com o presidente costuma esbarrar
na questão da crença. Bolsonaro já deixou claro que sua "missão divina"
o protege da solidão comum dos governantes.
"Ouvi
dos que me antecederam que, logo nas primeiras semanas que assumiram o
cargo, começaram a sentir a solidão do poder", disse Bolsonaro, em
agosto, durante culto na Igreja Sarah Nossa Terra, em Brasília.
"Acredito que essa solidão venha por dois motivos. Pelo descompromisso
com a lealdade ao povo brasileiro. E, segundo, por afastamento de Deus."
No
início do governo, era consenso entre aliados de Bolsonaro que o
ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general
Augusto Heleno, "controlaria" o recém-eleito. Agora, até Heleno evita
tratar da questão dos filhos de Bolsonaro, o tendão de Aquiles
presidencial. O ministro Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo,
amigo de Bolsonaro desde os anos 1970, também tem sido bem cauteloso
quando o assunto é familiar.
A
lista dos que ousaram questionar o chefe e tiveram que deixar o Planalto
inclui o advogado Gustavo Bebianno, comandante da campanha de 2018, e o
general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz. Bebianno, que morreu
no último dia 14, foi demitido com 49 dias de governo. Santos Cruz, por
sua vez, foi defenestrado após cinco meses.
"Eu
sempre fui honesto naquilo que eu achava e acho uma qualidade
fundamental: falar a realidade, senão se coloca em risco a própria
autoridade", afirmou Santos Cruz. "Quando às vezes você fala alguma
coisa não muito agradável é para preservar a autoridade, para ela ter
conhecimento."
O
drama da interlocução no Palácio é recorrente na história política
recente. João Figueiredo (1979-1985) ignorou apelo de aliados e, numa
viagem a Florianópolis, enfrentou manifestantes nas ruas. Passou ideia
de tresloucado. Fernando Collor (1990-1992) não quis ouvir assessores e
convocou por conta própria pessoas a irem às ruas de verde e amarelo a
favor de seu governo no momento de alta inflação. Multidões de preto
compareceram. Já Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) anunciou a
expulsão do jornalista americano Larry Rohter do Brasil, mesmo diante de
apelos de aliados. Teve de recuar depois.
De
forma contumaz, Dilma Rousseff (2011-2016) distribuía broncas para quem
tentava lhe dar conselhos. Não podia nem ouvir falar, por exemplo, em
receber deputados. O descaso lhe custou votos no julgamento do
impeachment. A falta de confiança de um governante em seus auxiliares é
sempre letal.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.