Os botões já estão desgastados, as cabines têm
algumas falhas, mas o propósito principal funciona: efetuar e receber
chamadas. Protagonistas de um tempo em que celular "tijolão" era artigo
de luxo, os telefones de uso público têm, aos poucos, sumido da cidade.
Em dezembro de 2009, o Ceará tinha 50.547 "orelhões", 21.549 deles em
Fortaleza. No mesmo mês do ano passado, o Estado e a Capital tinham,
respectivamente, 35.949 e 10.371 aparelhos instalados.
Os dados são da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e
apontam ainda que, de lá para cá, mais dispositivos ainda foram
desativados. Até outubro deste ano, apenas 9.375 orelhões ainda
resistiam em território cearense, 81,4% a menos do que há dez anos. Já
em Fortaleza, dos mais de 21 mil telefones públicos, restavam 1.822, até
outubro último, uma redução superior a 91,5%.
Hoje, do mais simples ao mais moderno, difícil é existir quem não
tenha um celular no bolso - mas, mesmo nessa realidade, muitos ainda
recorrem aos telefones públicos para se comunicar. O sinal sonoro que
indica uma nova ligação recebida pelo "orelhão" da Rua Carlos Amora, na
Parangaba, já é conhecido pelo barbeiro José Álvaro da Silva, 69, desde
os anos 1990, quando ele mesmo se encarregou de colher 150 assinaturas
em um abaixo-assinado para solicitar "o primeiro aparelho do bairro".
"Hoje, muita gente tem seu celular. Mas muitos chegam aqui, dão o
toque pra alguém e a pessoa retorna. Nesse telefone, cansei de chamar
gente na outra rua, ali do outro lado da praça, porque era o número que o
pessoal dava", relembra o barbeiro - que, semana passada, sentiu "um
membro do corpo, um braço, uma orelha" a menos, quando técnicos da
operadora de telefonia retiraram o orelhão de lá.
Número pessoal
"Quando vi, o telefone já tava no chão, e eles levando. Me senti
ofendido, fiquei sentido. A importância dele não tem como a gente falar
com precisão, é demais. Só hoje já tocou umas duas ou três vezes. De
Iguatu pra cá, muita gente liga pra mim! Minha família, meus parentes?
Imagine meu prazer em receber uma ligação dessa?", descreve José Álvaro,
cujo principal número da barbearia que tem há quatro décadas é aquele.
Após muitos protestos, o telefone foi reinstalado no mesmo local,
fato comemorado não só pelo barbeiro, como também pelos vizinhos de
longa data. Para a comerciante Irenilda Alves, 57, o orelhão ainda é
útil, mas a importância é, sobretudo, pela memória. "Antigamente, eu
usava demais. Tinha era fila nesse telefone, a gente tinha que esperar!
Ligava pra cartão de crédito, pra família? Quase toda hora se vê uma
pessoa usando esse telefone. Quando ligo pro meu marido aqui e ele não
atende, ligo pro orelhão e peço pra chamarem", relembra.
O taxista Valdir Sarmento, que já exerce a profissão no mesmo ponto
da Parangaba há 50 dos 88 anos de vida, relata que chegava a receber,
por meio daquele orelhão, chamados para corridas. "Na época que eu não
tinha celular, usava era muito, os passageiros ligavam. Hoje, tenho meu
celular, mas até o pessoal (em situação de rua) aí da praça usa o
aparelho pra se comunicar com a família".
Até julho de 2011, o Plano Geral de Metas para a Universalização do
Serviço Telefônico Fixo (PGMU) determinava que todas as localidades com
mais de 100 habitantes deveriam contar com um telefone público, com
distância de até 300 metros entre eles. Após dezembro de 2018, com o
decreto nº 9619, tudo mudou: não há quantidade mínima exigida para as
localidades, e os aparelhos só são instalados "mediante solicitação", em
até 120 dias.
Os aparelhos já existentes em locais com até 300 habitantes devem ser
mantidos, bem como aqueles em equipamentos da zona rural, como escolas
públicas, estabelecimentos de saúde, comunidades quilombolas,
assentamentos de trabalhadores rurais, aldeias indígenas e postos de
combustíveis.