Personagem de Sergio Guizé matou muitas pessoas – mas tudo bem, né?
(Foto: Dilson Silva/AgNews)
A teledramaturgia da Globo tem uma característica que subverte toda a
lógica das novelas (e até do cinema de massa) mundiais: em vez de
afirmar valores positivos – os daquela linhagem de heróis populares
(muitas vezes simples e anônimos) que ajudou a tirar os EUA da depressão
econômica no século 20 –, investe pesado na empatia de vilões e
canalhas que apontam como única saída o individualismo e a razão cínica.
Nada mais contemporâneo e afinado com a política a que também
assistimos: quanto pior, melhor. E já faz algum tempo. Por isso a
tendência do streaming lacra o caixão e avança célere: se é para ver
maldade, porrada e sacanagem, para que TV aberta?
Nesse ponto, o pífio personagem Chiclete, de “A Dona do Pedaço”, vai
chancelar um novo patamar nessa escalada de roteiro que faz apologia de
gente má: o mocinho da história é um pistoleiro, um matador de aluguel,
um assassino. Só faltou ser também miliciano, que era capaz de Walcyr
Carrasco vir pagar de antena da raça e espelho de seu tempo.
Chiclete não será punido, nem responderá por seus crimes terríveis,
cometidos às dezenas. Deve encerrar a vida sangrenta em algum lugar
paradisíaco, ao lado da amada Vivi, a digital influencer que ficou o
último terço da novela vagando feito fantasma pelas locações, sem
nenhuma função dramática além de ser gostosa, e muito. Que pobreza.
De boa, gente, se entretenimento entre nós é isso, então merecemos o
Brasil chegar aonde chegou. Esse cinismo só nos faz mal, é doentio até
como ficção. Fora que essa fórmula envelheceu mais gravemente que a do
saudoso bem vencendo o mal. No fim desse vale tudo, todos perdem,
ninguém ganha nada com isso.