
Werther Santana/Estadão Conteúdo
O massacre em Suzano, que deixou 10 mortos
e 11 feridos, divide opiniões sobre como esse capítulo de sangue pode
influenciar na política de flexibilização do porte e da posse de armas.
Para alguns advogados, professores de direito e especialistas em gestão
pública e segurança, a lição que fica é que “é um passo perigoso”. Para
outros, chacinas como a de Suzano são “fatos isolados” sem qualquer
relação causal com o fato de a legislação brasileira ser mais ou menos
permissiva.
“A tragédia dialoga diretamente com o posicionamento dos
organismos internacionais e dos especialistas em segurança pública:
quanto menos armas circularem na sociedade, mais segura ela será”,
afirma Mônica Sapucaia Machado, advogada, cientista política e
coordenadora de pós-graduação em administração pública da Escola de
Direito do Brasil (EDB). Para ela, à luz do direito e da política de
segurança, a restrição de acesso às armas deve ser a regra, não a
exceção.
A posição do criminalista e constitucionalista Adib Abdouni é diametralmente oposta. Para ele, a “tragédia
repugnável ocorrida em Suzano não se enquadra como evento típico
resultante da escalada irrefreável do crime no país”. “É um ato isolado
que não deveria influenciar nem na questão da posse de armas nem no
pacote anticrime recentemente lançado pelo ministro Sergio Moro.”
Para o criminalista João Paulo Martinelli, da EDB, o grande problema
de facilitar a posse é a dificuldade de fiscalizar o comportamento de
quem possui a arma, para evitar que ela seja levada para além dos
limites da residência. “O novo decreto facilitou a posse, não o porte”,
observa Martinelli. “Mas o Estado não tem estrutura para assegurar que o
possuidor não saia de casa com a arma. Em outros termos, o limite entre
a posse e o porte depende de efetiva fiscalização do Estado.”
O diretor do Instituto Sou da Paz e membro do Fórum Brasileiro de
Segurança Pública, Ivan Marques, concorda que o maior problema em
relação ao novo decreto do presidente Bolsonaro é que ele não resolve a
ineficácia do Estado no rastreamento de armas desviadas para o mercado
ilegal. “São as armas legais que acabam abastecendo a criminalidade.
Isso só tem um resultado: o aumento da violência, com o uso da arma de
fogo no crime.”
Veja imagens do massacre:
“De tudo que eu conheço dos estudos dessa área [segurança pública], os melhores resultados ocorrem em sociedades onde há, por um lado, rígido controle da posse de armas e, por outro, um sistema de segurança e Justiça eficientes”, observa o coordenador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP), Sérgio Adorno. Mas ele destaca que o número reduzido de atentados a escolas no Brasil nas duas últimas décadas dificulta a análise.
“É um número muito pequeno de casos para sabermos se há um padrão, em termos de perfil do agressor, das armas utilizadas, do contexto em que isso acontece.”
Já o advogado Fabrício Rebelo, do Centro de Pesquisa em Direito e Segurança, o caso não está vinculado à maior ou menor circulação de armas, e sim à segurança dos estabelecimentos de ensino.
“Se não tivermos mecanismos de controle de acesso, nada que se pense a respeito de evitar casos assim vai surtir efeito”, ressaltou. “Uma coisa que deve se ter sempre em mente é que, por mais mecanismos de controle que se tenha, quando alguém já está predisposto a cometer um ato desses, chegando ao extremo de tirar a própria vida, é muito pouco eficaz qualquer medida de controle que não seja a eliminação desse agente.”