Dois repórteres relatam experiência em uma festa de swing, prática em que casais liberais se encontram para trocar de par
(ELE) Sempre me interessaram as estratégias de subversão das
instituições sob as quais se ergue nossa sociedade. Família, igreja,
casamento, trabalho - o cânone da vida ocidental vez por outra fabrica,
ele mesmo, a perturbação de sua ordem. Quando recebi o convite para um
encontro de casais liberais - um swing de “amigos e amigos de amigos” -,
pensei que seria a ocasião perfeita para observar como se articula essa
indisciplina, como os envolvidos abandonam os modelos que ajudaram a
construir.
(ELA)
No mesmo dia em que fui a um churrasco, a um velório e a um aniversário
de criança, vi uma dezena de casais desconhecidos transarem no breu de
uma sauna, nas cadeiras de um microcinema e em um corredor minúsculo,
mas cheio de corpos. Sabia da pauta há algumas semanas, mas só na
véspera me atentei: com que roupa se vai a um swing? Me aconselho com um
colega que esclarece: roupa de balada. Compro um vestido que seria
usado também na noite de réveillon, uma sandália de plataforma e um
batom vermelho incrível. Tudo estratégia jornalística para passar
despercebida.
(ELE)
Na entrada do local escolhido para receber o encontro, numa noite de
sexta-feira de dezembro, chamava atenção a quantidade de carros que, do
alto de minha ignorância automotiva, pude reconhecer como caros.
Caríssimos. Na portaria, os nomes são checados na lista de convidados.
Solicitam minha digital, minha parceiraa recebe uma pulseira de papel em
um dos pulsos. Alugado especialmente para a ocasião, o espaço tem três
andares: hall de entrada, bar/boate com piscina e, por fim, um piso
dedicado ao sexo
(ELA) Depois de nos identificarmos como
qualquer outro casal, registrar digital e pegar pulseirinha, subimos as
escadas para entrar em uma espécie de salão de festas aldeotino, antes
da meia-noite. Ainda que estivéssemos em uma badalada sauna alencarina, o
ambiente tinha a normalidade de uma festa de antigos amigos de colégio.
Havia um ar de intimidade nos beijos laterais, nos apertos de mão e na
divisão clássica dos círculos não tão de humanas: mulheres de um lado,
homens de outro. Compramos cervejas e sentamos na beira da piscina, tal
qual Malinowski a observar os Argonautas do Pacífico Sul. Um pinheirinho
com luzes azuis anuncia que é Natal.
(ELE) Subimos as
escadas até o primeiro piso tentando fingir uma naturalidade que não nos
dedurasse. Compramos nossas bebidas, circulamos pelo local, dançamos um
pouco. Todos pareciam se conhecer, relembravam velhos encontros,
citavam amigos em comum, acenavam para os que acabavam de chegar. Quando
minha parceira se afastou para ir ao bar, fui abordado por um homem:
“Eu te conheço do CRS”. Como? “Do CRS, te conheço de lá”. Acho que não, é
minha primeira vez. “Primeira vez aqui?” Não, primeira vez no swing.
Com uma animação nova, me agarrou pelo braço e me apresentou a sua
esposa e amigos. Descobri depois que CRS é uma rede social exclusiva
para casais liberais.
(ELA) A festa era de amigos e amigos
de amigos, como nos explica um dos anfitriões. Mapeamos uma bailarina,
um casal pró-impeachment, uma mulher que me mimetizava e batizamos de
Iana. Um alterego afoito e dançante. Na porta do banheiro, ouvi uma moça
que andava cansada, pois “já são vinte anos com o marido nessa
brincadeira”. Ao subir para um sacada ainda no ambiente externo,
conhecemos um rapaz que veio de sertão central só para a festa.
(ELE)
Devidamente apresentados, não demoramos a nos integrar a um dos grupos
que dançava ao som de um DJ que ia do pop ao sertanejo, da eletrônica ao
forró. Até aquele momento, e já estávamos na festa há mais de duas
horas, não havíamos percebido nada de ostensivamente sexual. Apenas um
clima quase juvenil de paquera, algumas risadas mais excitadas,
investidas menos dissimuladas. Trocamos olhares com um casal que
aparentava ter nossa idade e começamos a nos perguntar se, de fato,
alguma coisa iria acontecer.
(ELA) No primeiro passeio
pelo andar de cima, com a adrenalina e a curiosidade das primeiras
vezes, não vimos nada. Era só aquilo mesmo? E o imaginário popular? O
ménage, a orgia, a grande confusão? Cinema vazio, cabines idem. Nada
demais.
(ELE)
Perto das duas da madrugada, como se alguém conectasse os cabos de uma
corrente suspensa, o ambiente se transforma. Uma stripper mascarada
dança duas ou três músicas enquanto tira toda a roupa que veste.
Interage com os convidados, agarra a esposa que nos havia sido
apresentada pelo homem do CRS e levanta seu vestido até os seios,
enquanto a comprime contra a barra de pole dance. Quando finalmente se
despede, deixa o ambiente transformado, casais em êxtase, mulheres que
se tocam enquanto os maridos as assistem. Alguns já estão subindo ao
terceiro piso.
(ELA) Imensa e com pouca roupa, feita de um
couro desses que embala a vácuo, a mulher entra feito gata e enrosca-se
no pole dance que, até aquele momento, eu não tinha enxergado. Ainda de
máscara, passa as mãos em mim, em outras duas moças e em um rapaz.
Depois da performance e com o figurino já no chão, a moça vai embora
correndo enquanto esconde as vergonhas, em um gesto de timidez e
constrangimento que contraria as pernas que, há poucos minutos, pareciam
tesouras a cortar o aço em que se deslizava. Despida do personagem,
parece não haver sentido de permanência e apressa-se. Para os que
assistem, o fim do espetáculo é a deixa para a virada. Depois de um
sorteio para ver as moças que mais rebolavam, as ganhadoras recebem uma
suíte exclusiva para até seis pessoas e um balde de long necks. O baile
de debutantes chega ao fim. O salão começa a esvaziar-se. Passa de uma
da madrugada e a festa recomeça, agora, de outro jeito.
(ELE)
Subimos ao andar superior de mãos dadas e gastamos alguns minutos
explorando os espaços. Uma das salas funciona como cinema, algumas
cadeiras de plástico voltadas para a projeção de um filme pornô.
(ELA)
Meu par vai ao banheiro e volta com o aviso: “vem cá, tudo mudou”. Me
pega pela mão e refazemos o circuito anterior. O cinema, antes vazio,
agora tinha dois casais (devidamente trocados) nus e em movimento, sobre
cadeiras de plástico. Um outro par observava.
(ELE) O
local estava ocupado pelo casal que havia trocado olhares conosco na
boate: ele, sentado em uma das cadeiras, se dedicava a uma mulher
saltando sobre seu colo; ela, de pé, era envolvida por trás por outro
homem. Nós e outro casal observávamos tudo, seus corpos se movendo a
menos de 30 centímetros de onde estávamos. Em outro espaço, um corredor
ladeado por cabines individuais, casais projetavam seus corpos para
fora, pelas portas entreabertas, em busca de voyeurs. Queriam ser
vistos. Todos pareciam confortáveis com a própria nudez, estimulados
pelos gritos e sussurros dos outros.
(ELA) Se no começo da
festa tocavam Anitta, Pabllo e alguns sertanejos, no dark room não
consigo distinguir qual era a trilha musical. Lembro que o som parecia
uma sucessão de aplausos, mas sem o uso das mãos. Além dos gemidos,
claro. Nas cabines estreitas e de portas entreabertas, avistei um rapaz
com um rosto azulado nas costas, um pássaro, algo imenso que me encarava
quando achava que a voyeur seria eu. Enquanto isso, o dono do corpo se
diverte com uma morena enorme e escancarada. Ao tentar sair do corredor
das cabines, um casal interrompe a passagem. Esperamos e observamos,
atentos.
(ELE) Passamos mais de duas duas horas
circulando entre o cinema, o corredor de cabines, a sala de sexo
coletivo e as duas saunas. Quando percebíamos abertura e interesse do
casal, nos detíamos ao seu lado para assistir ao que quisessem nos
mostrar. Geralmente mostravam tudo. Ainda descemos à boate para conferir
o movimento, mas agora toda animação se concentrava no andar superior.
Já passava das cinco da madrugada quando decidimos ir embora. Enquanto
esperávamos nosso Uber na calçada, víamos os companheiros de swing se
despedindo em seus carrões de luxo.
(ELA) Da janela,
vemos alguns grupos saírem do local em carros importados. Dançarinos e
meio cambaleantes, talvez estiquem a festa em outro local. Vou para casa
quando quase amanhece. Para ver tudo aquilo, bastou ter olhos. Depois,
lembro da escritora famosa no facebook: não se preocupe em entender,
viver ultrapassa qualquer entendimento.
REGRINHAS BÁSICAS
1. Antes de sair de casa, o casal deve estar de acordo sobre o que pode e o que não pode ser feito.
2.
A união deve ser madura e o ideal é que o casal não esteja passando por
um momento de instabilidade. swing não salva o casamento de ninguém.
3.
Na maioria dos ambientes, é aceita apenas a entrada de casais. Se você é
homem, não deve entrar acompanhado de uma amiga ou garota de programa.
4. O que acontece no swing nunca deve ser comentado em outro ambiente.
5. O anonimato é bastante apreciado.
6. A abordagem deve ser sutil. Como em qualquer ambiente saudável de paquera, um “não” deve ser encarado como um “não”.
7. O voyeurismo é uma prática bem-vinda. Ninguém deve obrigá-lo a participar se não for de seu interesse.
8.
Controle seus ciúmes. Se alguém der em cima de seu (sua) parceiro (a) -
o que é completamente aceitável -, saiba como reagir.
9. Ao ver seu parceiro (a) com outra (o), não fique falando ou insistindo em coisas que eles deveriam fazer.
10. Cuidado com copos e garrafas de vidro. Algumas pessoas podem gostar de se divertir no chão.
11. Não esqueça de usar camisinha.