Um Ceará cada vez mais quente, mais seco, marcado por extremos
climáticos e pela maior vulnerabilidade a ameaças naturais, como
estiagens, ressacas do mar e erosão costeira. Essas são as projeções do
Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC) para os próximos anos no
Estado e em outros pontos da costa do País caso as emissões de Gases do
Efeito Estufa (GEE) e outros fatores diretamente relacionados ao
aquecimento não sejam desacelerados.
Os resultados fazem parte do estudo "Impacto, vulnerabilidade e
adaptação das cidades costeiras brasileiras às mudanças climáticas",
lançado no início deste mês. Conforme o relatório, que avaliou a
situação em cidades como Fortaleza, Salvador, Recife e Rio de Janeiro,
localidades litorâneas já estão sofrendo efeitos das mudanças climáticas
e podem vir a ser ainda mais afetadas no futuro. Vulnerabilidades já
existentes na região, a exemplo de secas, ressacas do mar, extremos de
temperatura e até o desenvolvimento de epidemias tendem a se
intensificar pelas mudanças climáticas.
Projeções de chuvas, mudanças de temperatura e extremos climáticos
presentes na análise indicam que, no futuro, a Capital e o restante da
costa cearense poderão vivenciar maior quantidade de dias e noites
quentes, ventos mais fortes e elevação do nível do mar. Nas simulações
realizadas por pesquisadores, a possibilidade de haver alterações
torna-se maior à medida que as concentrações de GEE crescem.
Seca
"Ainda não há certeza se o total de chuvas vai diminuir ou só ficar
mais irregular, mas sabemos muito bem o que vai acontecer com
evapotranspiração. Ela vai aumentar de maneira muito acentuada até o fim
do século e isso implicará em aumento da aridez. Cerca de 80% dos
modelos, mesmo em cenários que apresentam algum grau de mitigação,
apontam para aumento de aridez, com formação de várias áreas áridas pelo
Nordeste", observa Alexandre Araújo, professor da Universidade Estadual
do Ceará (Uece) e membro do PBMC.
"Outro aspecto é a seca de 2012 a 2016. Não podemos afirmar que ela
esteja estritamente vinculada às mudanças climáticas, isso requer mais
investigação. Não obstante, é preciso que se afirme que foi uma
sequência inédita de cinco anos com chuvas abaixo da média. O
interessante é que somente um desses anos foi de El Niño forte. Em
condições normais, talvez se esperasse que só esse ano fosse de seca
severa", ressalta.
Se, de um lado, a vulnerabilidade a fortes secas fica maior, de outro, o
Estado pode atingir o outro extremo climático. Segundo Emerson Mariano,
coordenador do mestrado da Uece em Climatologia e Aplicações nos Países
da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) e África, mesmo em
períodos de estiagem, o Ceará vêm apresentando episódios de chuva
extrema, oscilação que também pode ser interpretada como reflexo das
mudanças climáticas. Um desses eventos, apontado pelo estudo do PBMC,
foi a intensa precipitação registrada em março de 2004, que provocou
alagamentos e inundações na Capital e afetou milhares de pessoas no
Interior. "Em todo o Nordeste, têm acontecido chuvas torrenciais nos
últimos anos, mesmo com seca. Aqui no Ceará, há relatos de granizo em
Sobral, Mauriti e outras cidades. Até a sabedoria popular diz que o
clima está maluco", diz Mariano.
Emissões
No Brasil, o Observatório do Clima, rede formada por entidades que
discutem as mudanças climáticas no País, calcula estimativas de emissões
de GEE em todos os estados. No que se refere ao Ceará, os dados mais
recentes datam de 2015 e apontam uma emissão anual de 29 milhões de
toneladas de gases, 10 milhões a mais que o número registrado uma década
antes. Os setores de Energia (que inclui geração de eletricidade,
transportes e indústria) e de Mudança de Uso da Terra e Floresta lideram
a lista de fontes emissoras, sendo responsáveis por 48% e 25% das
emissões, respectivamente. Os setores de Agropecuária (19%), Resíduos
(6%) e Processos Industriais (2%) vêm em seguida.
Reverter o que indicam as previsões requer ações imediatas do poder
público. A principal é o estabelecimento e o cumprimento de metas
específicas de redução das emissões de GEE, algo que, no Ceará, e em boa
parte dos estados, ainda não existe. O Brasil segue os objetivos
determinados no Acordo de Paris, assinado em 2015 por 195 países, que
prevê a diminuição de emissões de carbono em, pelo menos, 37% até 2025, e
em 43% até 2030. Os percentuais levam em consideração o total de
emissões do ano de 2005. Para alcançar essa meta, segundo Alexandre
Araújo, o Estado teria que passar a emitir "apenas" 9 milhões de
toneladas de GEE por ano, o que, diante dos números atuais, parece uma
redução quase impossível de atingir.
Alternativas
Outra medida, a ser promovida paralelamente, seria o maior investimento
em fontes de energia menos poluidoras. No Ceará, uma alternativa é
óbvia: energia solar. No entanto, ainda não há grandes incentivos para
que indústrias, empresas e a própria população passem a adotar o modelo
no dia a dia.
"Medidas simples, como a diminuição de impostos, incentivos para
empresas de importação do material para implantação de painéis solares, e
linhas de financiamento com juros bem baixos poderiam fazer com que a
energia solar se tornasse algo mais acessível", diz o professor Emerson
Mariano.
Conforme ressalta o docente, por conta da pouca oferta de materiais
para montagem de sistemas de energia solar, implantar painéis
residenciais chega a custar em torno de R$ 20 mil. "Quem tem esse
dinheiro para investir em nome da sustentabilidade?", questiona Mariano.
"Precisar haver mais vontade política de escutar a ciência para que se
possa implantar essas soluções", completa o professor.