A
grande maioria (84,5%) dos médicos brasileiros considera que o país
ainda não atravessou a pior onda do novo coronavírus, mostra a segunda
pesquisa da APM (Associação Paulista de Medicina) divulgada nesta
segunda (1°).
Foram
entrevistados 2.808 profissionais de todo o país, das redes pública e
privada, entre os dias 15 e 25 de maio. Eles responderam a questionário
estruturado online, na plataforma Survey Monkey.
Quase
a totalidade dos médicos ouvidos (96,6%) diz que é provável que faltem
profissionais, nos vários níveis assistenciais, para cuidar dos
infectados pelo coronavírus. Entre eles, 46% dos que estão na linha de
frente apontam que já faltam médicos e outros trabalhadores da saúde nas
unidades em que atuam.
A
grande maioria (75,3%) considera o isolamento social importante, mesmo
com as perdas financeiras advindas dele: 85,2% relatam queda de renda em
razão da pandemia.
Para
José Luiz Gomes do Amaral, presidente da APM, é positivo que os médicos
tenham essa percepção de que o país ainda não atingiu o pior momento da
pandemia e que o isolamento social deve ser mantido.
"Vai
piorar e muito. Tivemos mais de mil mortos por dia, um desfecho que não
permite dúvida sobre a gravidade. Em São Paulo, de uma semana para
outra, está aumentando em uma centena o número de óbitos. Vários
equipamentos de saúde já estão no limite", diz.
O
médico Gerson Salvador, que atua na emergência do Hospital
Universitário da USP, diz que o fluxo de procura e de internações por
suspeita de Covid-19 está intenso, especialmente de pessoas que vivem
nas periferias.
"Temos
visto muitos pacientes graves, com insuficiência respiratória, tendo
que ser ventilados e intubados já na emergência. As estatísticas chegam
para a gente com o nome, sobrenome e histórias de vida. Muitas coisas
ruins ainda estão por vir."
A
tensão entre pacientes e equipes médicas também tem aumentado, segundo
Salvador, especialmente por conta do estímulo que o presidente Jair
Bolsonaro tem feito para uso da cloroquina. "Já tive paciente grave que
se negou a aceitar os procedimentos indicados para o caso dele porque
ele preferia tentar um tratamento com cloroquina."
De
acordo com a pesquisa, 58,5% dos médicos ou de profissionais que fazem
parte de suas equipes já foram vítimas de algum tipo de violência
relacionada à pandemia.
O
presidente da APM aponta que houve avanço na capacitação dos médicos em
lidar com infectados em qualquer fase da doença, em relação à primeira
pesquisa, feita em abril. Antes, 15% se diziam capacitados. Agora são
22,3%.
"Houve
progresso, mas precisa melhorar muito mais. Não adianta ter médicos que
não sabem o que fazer no front, que têm uma formação distante das
urgências, dos problemas respiratórios."
Atualmente,
38,5% dos médicos da linha de frente dizem receber atualização
científica dos hospitais; 38%, ter acesso por meio de associações
médicas; e 61,5%, pesquisar diretamente na literatura médica. O
Ministério da Saúde e as secretarias estaduais e municipais respondem
por 31,5%, 17,5% e 18,5%, respectivamente, do conhecimento, segundo a
pesquisa.
Os
médicos da linha de frente seguem apreensivos, pessimistas, deprimidos,
insatisfeitos e revoltados - em uma somatória de 79,3%.
Quando
foram entrevistados, 75,3% dos profissionais atendiam até cinco
pacientes com suspeita e/ou confirmação de Covid diariamente -24,7%
cuidavam até de mais de 20 infectados. Entre os profissionais da linha
de frente, 33,7% tiveram pacientes que morreram em razão da doença.
Segundo
o médico Daniel Knupp, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina
de Família e Comunidade, equipes de unidades de saúde no interior têm
tido dificuldade em conciliar os atendimentos da Covid-19 com as outros
atendimentos, por exemplo, às pessoas com doenças crônicas e as visitas
domiciliares.
Soma-se
a isso a falta de estrutura de muitos serviços. Um terço dos
entrevistados ainda se queixa de falta de máscaras N95 ou equivalentes
nos serviços de saúde em que atendem.
A
maioria (64%) dos médicos entrevistados na pesquisa da APM também não
foi testada para a Covid-19. E 39,4% dos que estão na linha e frente
dizem que só há testes para os pacientes com sintomas graves.