O Congresso Nacional colocou no radar a possibilidade de adiar o decreto de calamidade pública no País para 2021 se os efeitos da pandemia de covid-19 se estenderem para o próximo ano.
A prorrogação daria aval para o governo Jair Bolsonaro gastar mais no próximo ano com a justificativa de combater as consequências econômicas da doença.
Parecer das consultorias da Câmara e do Senado sugere colocar uma
brecha na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) pavimentando o terreno
para o adiamento da calamidade pública. A proposta enviada pelo governo
não traz essa possibilidade, mas poderá ser alterada pelo Congresso. A
tramitação da LDO está parada em função do apagão das comissões do
Legislativo.
O decreto em vigor fixou a calamidade até 31 de dezembro
deste ano. Dessa forma, o governo não precisará cumprir a chamada regra
de ouro - que o proíbe de se endividar para pagar despesas correntes -
nem fazer bloqueios no Orçamento para atingir a chamada meta fiscal
(atualmente, um limite para o rombo nas contas públicas). Um adiamento
levaria o Executivo a gastar sem essa rigidez também em 2021.
A calamidade pública só poderá ser adiada com outro decreto a pedido do
governo. O que as consultorias sugerem é deixar a LDO pronta para esse
cenário. De acordo com técnicos do Congresso, será preciso alterar o
projeto deixando a hipótese de prorrogação em 2021 a depender do quadro
da pandemia.
A discussão vem na esteira da articulação para aumentar gastos e
aproveitar as regras da pandemia para fazer investimentos, conforme o Estadão revelou. O decreto de calamidade possibilitou a aprovação do chamado orçamento de guerra, criando uma conta paralela para as despesas relacionadas à covid-19.
No projeto da LDO, o governo sugere adotar uma meta fiscal de resultado
das contas públicas flexível em 2021 por causa das incertezas
provocadas pela covid-19. O Estadão antecipou que o número de referência é um déficit de R$ 150 bilhões, mas esse valor não é considerado a meta do ano.
O parecer das consultorias, porém, propõe fixar uma meta com valor
definido - assim como nos anos anteriores -, mas permitindo um
"afrouxamento fiscal" com o possível adiamento do estado de calamidade.
"Se a doença atravessar o ano em expansão, deve adiar", afirmou o líder
do PSD no Senado, Otto Alencar (BA). O partido indicará o relator da
LDO neste ano, que deverá ser o senador Irajá Abreu (PSD-TO).
A Comissão Mista de Orçamento, responsável por votar a LDO e a Lei
Orçamentária Anual, está parada em função do apagão das comissões do
Congresso.
Estratégia
Na avaliação de parlamentares e técnicos do Congresso, o adiamento da
calamidade serviria para o Executivo federal colocar em campo a
estratégia de fazer investimentos com regras fiscais mais leves. O
Planalto poderia, dessa forma, aproveitar a pandemia para colocar
recursos no programa Pró-Brasil, o programa de investimentos públicos do
governo. Em versões preliminares, o programa reuniria de R$ 40 bilhões a
R$ 50 bilhões em investimentos divididos em 137 obras executadas entre
2021 e 2022.
"A reconstrução da economia nacional, que será necessária a partir dos
efeitos da pandemia, vai exigir medidas extraordinárias e isso pode
ensejar o pedido por parte do Executivo como forma de dar maior margem
utilizando o orçamento de guerra", afirmou o deputado Orlando Silva
(PCdoB-SP), que foi relator do decreto de calamidade na Câmara.
O líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO), admitiu que o
adiamento da calamidade está no radar do Planalto. "Só não sabemos se a
característica vai ser a mesma. Talvez seja outro instrumento", afirmou.
Antes disso, declarou, será preciso resolver questões mais
emergenciais, como o alongamento do auxílio emergencial até o fim de
2020.
Procurados, a Presidência da República, o Ministério da Economia e o
Ministério da Saúde não responderam sobre a possibilidade de adiar o
decreto de calamidade pública para 2021.