Se o Ceará fosse um país, estaria entre os 30
mais infectados do mundo pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2), e seria a
19ª nação em número de óbitos por Covid-19. O Estado já ocupa o terceiro
lugar em confirmações e mortes pela doença no Brasil, atrás de São
Paulo e Rio de Janeiro. O impacto da infecção, porém, pode ser ainda
maior: números altos de internações e mortes por Síndrome Respiratória
Aguda Grave (SRAG) e outras causas respiratórias podem indicar
subnotificação da nova virose.
O Ceará já registra mais de 36 mil casos e 2.493 mortes por Covid-19,
conforme a plataforma IntegraSUS, da Secretaria da Saúde do Ceará
(Sesa), até 17h40 dessa segunda-feira (25). Há ainda quase 47 mil casos
em investigação, e uma parcela dos já analisados teve resultado
inconclusivo.
Além disso, epidemiologistas apontam que a possível subnotificação de
ocorrências de Covid-19 estaria nas entrelinhas de casos de SRAG, bem
como de mortes registradas por outras causas respiratórias no Portal da
Transparência do Registro Civil Nacional.
Entre 16 de março e as 16h do dia 25 de maio deste ano, já haviam
sido registrados em cartórios do Ceará 321 óbitos por SRAG, 1.215 por
pneumonia, 584 por insuficiência respiratória e 828 por septicemia
(inflamação em todo o corpo), além de 2.707 por Covid-19. Ao total,
somam-se ainda 39 mortes cujas causas não foram determinadas e 4.590
categorizadas como "demais óbitos", totalizando 10.284 vidas perdidas em
dois meses.
No mesmo período de 2019, a soma foi de 8.153 mortes: sete por SRAG
(46 vezes menos que em 2020), 1.813 por pneumonia, 672 por insuficiência
respiratória, 989 por septicemia, 23 com causa indeterminada e mais
4.649 locadas em "demais óbitos".
Para o infectologista Érico Arruda, ex-presidente da Sociedade
Brasileira de Infectologia, "é natural que haja subnotificações" no
contexto atual. "Independentemente da doença, há casos com manifestação
diferente da usual, e nem sempre são percebidos. Mas podem evoluir com
gravidade, em geral entre pessoas com outras doenças de base. A
resistência coronariana de um cardiopata pode ser prejudicada por outra
doença e ele morrer de infarto, mas o fator desencadeante não ser
notado", exemplifica.
Mais casos
Sobre o aumento dos registros de mortes por SRAG e outras causas
respiratórias no Ceará, o médico acrescenta que "não só é possível que
haja muitos casos de Covid entre eles como é quase certo". "Seria
estranho que tivéssemos o dobro de casos de SRAG de outras etiologias
num mesmo momento da pandemia de Covid. Estudos com vários pacientes não
mostram que temos uma sobreposição importante. Essa certamente é uma
das ferramentas para perceber a subnotificação".
Érico aponta que ampliar a testagem "seria a maneira com mais
acurácia" para obtermos números mais precisos de infecções, mas que
outra saída seria valorizar os diagnósticos clínicos.
"Enquanto não tínhamos testes acessíveis para detectar HIV, por
exemplo, trabalhávamos com critérios clínicos e epidemiológicos, e eles
foram valorizados. No contexto da Aids, esse foi um dos critérios
internacionalmente aceitos. E também vale para a Covid - com a
dificuldade de obter testes, temos que ter outros mecanismos para
identificar os casos, chegar aos números e preparar o sistema", opina.