Considerado foragido pela Polícia Federal, Eike Batista tem a
possibilidade de não ficar preso no Brasil caso consiga chegar à
Alemanha. O empresário possui cidadania alemã, herdada da mãe, Jutta
Fuhrken, que era natural de Hamburgo. Investigadores da PF manifestaram
na imprensa brasileira temor que o ex-bilionário tente chegar ao país
europeu e assim evite ser extraditado para o Brasil.
A Constituição alemã (Lei Fundamental) é bem clara sobre o assunto: "A
República Federal da Alemanha não extradita os seus cidadãos", diz o
artigo 16. A lei aponta que exceções podem ser feitas apenas se o pedido
partir de algum outro país da União Europeia ou de alguma corte
internacional da qual a Alemanha seja signatária, como o Tribunal Penal
Internacional (TPI).
A informação também consta nos formulários sobre extradição
disponibilizados pelo Ministério do Interior da Alemanha, que devem ser
preenchidos por representantes de outros países interessados em algum
criminoso estrangeiro que esteja no território alemão.
Segundo a Polícia Federal, Eike usou seu passaporte alemão para deixar o
Brasil e entrar nos EUA. Seu advogado informou na quinta-feira (26/01)
que ele estava em Nova York, mas até agora não houve comprovação de que
ele continua na cidade. A Interpol foi notificada no mesmo dia de que as
autoridades brasileiras estão procurando por Eike.
Ainda que prevista, a extradição de alemães para outros países da UE
também é complicada. Os Estados-membros podem entrar com um "mandado de
detenção europeu", que vai ser analisado pela Justiça alemã. Não há
garantia de que a extradição será bem-sucedida. Em 2013, por exemplo, a
Alemanha extraditou para outros países europeus 35 de seus cidadãos.
De qualquer forma, nada parecido com o "mandado de detenção europeu"
existente entre o Brasil e a Alemanha, que sequer possuem um tratado de
extradição mútuo para lidar com pedidos de prisão que envolvam cidadãos
sem dupla cidadania - cada caso é analisado separadamente, e não é
incomum alguns deles serem negados.
Já nos casos que envolvam pessoas com dupla cidadania, não existem nem
mesmo brechas similares como aquelas que permitiram a extradição do
petista Henrique Pizzolato pela Justiça italiana em 2015. Neste caso, a
Itália permitia a extradição de seus cidadãos para países com os quais
possuía tratados, como era o caso do Brasil.
Os tratados de cooperação jurídica entre Brasil e Alemanha, que tratam
de temas como o sequestro de crianças ou a possibilidade de restituição
de bens produtos de crime, são bem claros em afirmar que eles não
contemplam o mecanismo de extradição.
Histórico
Se Eike conseguir vir para a Alemanha, não será a primeira vez que um
brasileiro com a nacionalidade do país europeu terá conseguido se livrar
de um pedido de extradição. Esse foi o caso de Marcelo Bauer,
brasiliense condenado no Brasil pelo assassinato da namorada, crime que
ocorreu em 1987.
Bauer passou 12 anos foragido até ser preso na Dinamarca em 2000.
Enquanto estava detido, entrou com um pedido de cidadania na Alemanha e
foi bem-sucedido, já que sua avó era natural do país. O governo
brasileiro chegou a protocolar um pedido de extradição na Dinamarca, mas
Bauer já havia deixado a detenção provisória e seguido para a Alemanha.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) chegou a fazer novo pedido de
extradição aos alemães, mas ele foi previsivelmente negado com base no
artigo 16 da Lei Fundamental.
Restou às autoridades brasileiras pedir para que Bauer cumprisse na
Alemanha a pena de 14 anos de prisão imposta à revelia por um tribunal
brasileiro por meio de uma homologação da sentença penal condenatória. A
PGR transmitiu o caso para o Judiciário alemão em 2011, remetendo o
inquérito e as oitivas das testemunhas. O pedido de homologação da
sentença foi finalmente entregue em 2013, mas até agora a Justiça alemã
não tomou nenhuma decisão sobre o assunto. Bauer continua solto. Hoje
ele vive em Flensburg, no norte do país.
Pena
No caso de Eike, restaria fazer um pedido similar para que ele
cumprisse pena na Alemanha, mas o histórico mostra que esse é um caminho
lento.
Até agora não há nenhuma condenação contra o empresário no Brasil.
Mesmo neste caso, as condenações teriam que ser baseadas em leis que
possuíam similaridade ou equivalência na Alemanha. Também são levadas em
conta as penas do país onde está o condenado. No Brasil, a corrupção
ativa pode ser punida com até 12 anos de prisão. Na Alemanha, dez anos.
Já a lavagem de dinheiro pode render até uma década de prisão no Brasil.
Na Alemanha, cinco anos.
Isso, no entanto, não impede que Eike seja preso preventivamente na
Alemanha caso o governo consiga convencer as autoridades do país europeu
de que existem razões para tal. A Alemanha e o Brasil mantêm uma
cooperação em casos criminais. Mas isso também vai depender de a Justiça
alemã entender que a prisão é necessária - o alerta emitido pela
Interpol funciona apenas como uma sugestão. Eike teve a prisão
preventiva decretada por suspeita de obstrução da Justiça.