O corpo frágil de uma adolescente de 16 anos que ficou tetraplégica
após um acidente de carro teve na barriga toda a atenção. Apesar de
falar com dificuldades e não conseguir sair da cama do hospital,
Kimberlyn Cristina Pontes lembra cada detalhe do dia em que a sua vida
mudou, há quase seis meses, em uma estrada de Araçoiaba da Serra (SP).
Além de ter que lutar para aprender a viver novamente, a jovem descobriu
15 dias depois do acidente - durante uma cirurgia -, que daria à luz
uma nova vida.
O G1 acompanhou a preparação dela dias antes do parto no Conjunto Hospitalar de Sorocaba (SP). (Veja o vídeo acima).
O filho de Kimberlyn nasceu durante o feriado da Proclamação da
República, no dia 15 de novembro, com pouco mais de 1,7 kg e 40 cm. A
jovem ficou um tempo na UTI e continua internada na maternidade do
hospital. O pai do bebê está preso, segundo a família da jovem, que diz
não ter mais contato com ele.
Já Davi Henrique, nome dado à criança pela mãe, passa por acompanhamento médico na incubadora.
Durante a entrevista ao G1, a jovem contou que o
acidente aconteceu em maio, quando voltava da casa do namorado de carona
com um amigo das duas irmãs, que estavam em um churrasco. Ela lembra
que o motorista resolveu ir para outro bairro comprar cigarro, começou a
fazer manobras arriscadas em uma estrada vicinal do bairro Cercado e
acabou batendo o veículo em um pilar de madeira.
“Eu só percebi que ele estava bêbado quando fez brincadeiras no volante
em zigue-zague. Só deu tempo de colocar o cinto e olhar para frente
quando o carro bateu e capotou várias vezes. Eu lembro de tudo, estava
presa no cinto quando o veículo parou de ponta cabeça”, disse Kimberlyn
um dia antes de dar à luz.
"Pensei que ia morrer"
Dos cinco passageiros do veículo, apenas Kimberlyn teve ferimentos
graves. Todos sobreviveram sem sequelas. “Eu pensei que ia morrer,
porque não sentia nada. Eu perguntava para minha irmã se eu ainda tinha
meus braços e minhas pernas, pois eu achei que tinha tirado tudo”,
lembra.
Adolescente só descobriu gravidez 15 dias após acidente (Foto: Jomar Bellini/G1)
A garota foi socorrida logo após o acidente e passou por hospitais em Araçoiaba da Serra
e Sorocaba, até conseguir uma vaga para passar por cirurgia em São
Paulo, cerca de 15 dias depois. Foi só na unidade da Capital, antes de
entrar no centro cirúrgico, que a família descobriu que a adolescente
estava grávida de três meses.
"Mesmo com vários exames, só descobriram [a gravidez] na ressonância
magnética uma hora antes da cirurgia. Não passava pela cabeça de
ninguém, porque a menstruação dela estava normal até o dia do acidente",
conta a mãe Luciana Pontes, de 41 anos. Já a jovem diz que começou a
chorar e que não acreditava na notícia da gravidez. "Eu falava que era
mentira, impossível. Depois do primeiro ultrassom eu fui aceitando.
Foram vários exames de raio X que poderiam ter prejudicado o bebê",
conta.
Gestação no hospital
Toda a gestação de Kimberlyn se passou dentro do hospital, já que a
menina teve problemas na respiração devido a lesão na coluna e a perda
de musculatura. "O pulmão dela fechou quase que completamente. Foi uma
luta muito grande. A lesão foi muito alta [na coluna], além de duas
pneumonias e uma bactéria", diz. Mesmo grávida, ela passou por uma
cirurgia de quase sete horas na coluna.
O acidente da jovem mudou a vida de toda a família radicalmente. Com a
internação, Luciana precisou deixar o trabalho como diarista para cuidar
de Kimberlyn no hospital. Além da adolescente, ela ainda tem outros
dois filhos e precisa revezar as semanas para conseguir acompanhar a
filha em Sorocaba e da casa onde mora em Araçoiaba da Serra.
Luciana passa quatro dias no Hospital Regional ao lado de Kimberlyn e
os demais cuidando dos filhos. Para isso, ela conta com doações de
amigos e familiares, além da ajuda de terceiros como, por exemplo, para
custear o aluguel ou bancar as fraldas usadas pela jovem. Além disso,
uma campanha nas redes sociais também tem arrecadado mantimentos para a
família.
Davi Henrique nasceu no dia 15 de novembro (Foto: Arquivo Pessoal)
Vida de trás para frente
Após
o parto, agora as duas sonham com o futuro de Davi Henrique. Além do
significado bíblico do nome, que remete a palavras como "guerreiro" e
"amado", a adolescente ainda explica outro motivo que levou a escolha do
nome: "Davi é vida de trás para frente!"
A criança nasceu de cesariana e vai passar por acompanhamento médico
por ser prematuro. A expectativa é de que os dois voltem para Araçoiaba
da Serra em até 40 dias depois do parto.
"Eu não vejo a hora que ela saia daqui e volte para casa. Passei a
pensar dia a dia, não consigo pensar lá na frente, no futuro e imaginar.
Vamos lutar no dia a dia e correr atrás da reabilitação depois que meu
neto nascer para ela se recuperar de qualquer forma. Dizer que eu tenho
uma visão para o futuro, eu não tenho", diz a mãe.
Para Luciana, a força e o sorriso que não sai do rosto da filha são os
principais segredos para conseguir superar uma tragédia que gerou a vida
de uma criança. "Uma coisa que ela nunca perdeu foi o bom humor. Tira
sarro de todo mundo e dela mesmo. Isso dá uma força para a gente porque
nunca vemos ela triste."
Kimberlyn ficou tetraplégica após acidente em Araçoiaba da Serra (Foto: Jomar Bellini/G1)