O Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu, nesta quarta-feira
(19/4), afastar a titular da 8ª Vara Cível de Guarulhos (SP) com base em
relatos segundo os quais ela gritou com advogados, recusou-se a atender
alguns desses profissionais em seu gabinete, faltou várias vezes ao
fórum e “maquiou” atrasos em julgamentos. Por unanimidade, os 25
desembargadores do Órgão Especial viram indícios suficientes de que
foram descumpridas regras da magistratura.
A juíza Márcia Blanes passa a responder a processo administrativo
disciplinar e, somente se responsabilizada no exame do mérito, sofrerá
alguma sanção. O pedido foi feito pela subseção em Guarulhos da Ordem
dos Advogados do Brasil, que reclamou da falta de “tratamento urbano” à
classe, criticou demora em decisões e apontou faltas constantes.
Segundo os relatos apresentados ao tribunal, a juíza disse que não
atendia advogados porque “precisava trabalhar” e chegou a levar uma
advogada “aos prantos”. O relator e corregedor-geral da Justiça, Manoel
Pereira Calças, afirmou que a falta de cortesia ficou comprovada por
testemunhas, como um escrevente que atua no gabinete.
O desembargador considerou “inusitada” a presença de mais de cem
advogados na vara quando a unidade passou por correição, em outubro do
ano passado. “Confesso que nesse um ano e três meses de gestão já
tivemos outros casos de falta de urbanidade, mas sempre se encontram
quatro ou cinco advogados”, afirmou durante o julgamento.
Home office indevido
Na defesa prévia, Márcia Blanes disse que ficou “perplexa” com as alegações de que desrespeitou advogados. Ela também reconheceu nem sempre ter ido ao fórum, mas alegou à Corregedoria que “estava constantemente em conexão”, pois julgava processos em casa, na modalidade teletrabalho.
O corregedor afirmou que o home office é vedado a juízes em
primeiro grau, porque suas atribuições não se resumem a assinar
sentenças e despachos: prova disso é que o cartório apresenta atrasos e
falhas na rotina processual, sem fiscalização eficiente da titular da
vara.
Outro problema, segundo ele, é que os processos prontos para
julgamento não iam para a fila de conclusão. Em vez de seguir esse
procedimento padrão, a juíza “pinçava” processos de outras filas para
julgar. Na avaliação do corregedor, a prática “maquiou” o número correto
de ações que aguardam sentença, prejudicando a análise sobre a
produtividade.
Calças citou ainda média desproporcional de rejeição de petições
iniciais. Enquanto as outras nove varas cíveis de Guarulhos apresentam
índice de 10%, na 8ª vara havia o “espantoso” percentual de 79% — 95%
dessas decisões acabavam reformadas no TJ.
O relator, a princípio, considerava desnecessário o afastamento,
porque Márcia Blanes pretendia ser removida para uma vaga na capital
paulista. O desembargador Ricardo Anafe e o presidente da corte, Paulo
Dimas Mascaretti, consideraram que os graves indícios deveriam deixá-la
longe das funções. O corregedor concordou com a medida.
Pesou o fato de que ela já respondeu a 35 representações em 18 anos
de carreira, a maior parte delas relacionadas a relatos de tratamento
descortês. A corregedoria chegou a fazer algumas recomendações, mas nem
todas foram atendidas, segundo os desembargadores.