A OMS
nega que tenha dado qualquer sinal de que esteja defendendo para a
possibilidade de uma abertura mais rápida das economias, pede que
quarentenas sejam mantidas como estratégia e rejeita a interpretação de
que estudos tenham concluído de forma definitiva que pessoas sem
sintomas não repassam o covoronavírus.
Para a
agência de Saúde, não existem dúvidas: pessoas assintomáticas também
transmitem o coronavírus. O que não se sabe é qual a proporção dessas
pessoas que, de fato, tem a capacidade de contaminar outras.
Ontem,
a chefe da unidade de doenças emergentes da OMS, Maria Van Kerkhove,
afirmou que algumas pesquisas indicam que pacientes assintomáticos têm
poucas chances de transmitir a covid-19. Ela, porém, citou apenas um
estudo de pequeno porte.
Na
manhã de terça-feira, o presidente Jair Bolsonaro usou suas redes
sociais, indicando que espera uma "reabertura mais rápida" após a
divulgação da Organização Mundial de Saúde (OMS) ontem, de que a
disseminação assintomática do coronavírus é "muito rara". Para ele, "o
pânico começa a se dissipar". "Quem sabe poderemos voltar à normalidade
que tínhamos no começo deste ano", disse.
Nesta
terça-feira, numa conversa online com jornalistas e o público convocada à
pressas diante da repercussão, Van Kerkhove negou que haja uma mudança
de recomendação da OMS e explicou que a comunidade internacional hoje
não sabe dizer qual é a proporção de pessoas transmitindo o vírus.
Segundo
ela, o que se sabe é que a maior parte da transmissão vem de pessoas
que tem sintomas. Mas existem aqueles quem não desenvolvem sintomas. O
problema é que não se sabe qual o tamanho dessa população. Estudos
indicam que isso poderia variar de 6% a 41%. "O que sabemos é que
algumas pessoas que não têm sintomas podem transmitir o vírus",
insistiu.
Ela
admite que a ciência ainda precisa entender melhor tal fenômeno. Mas
esclareceu que, ao falar sobre o caso na segunda-feira, ela fazia
referência a um número limitado de estudos realizados em situações
específicas. "Não era uma política da OMS", disse a técnica, chamando o
caso de um mal-entendido.
De acordo com Maria, alguns modelos estimam que até 40% da transmissão poderia estar ocorrendo por pessoas assintomáticas.
Ela
ainda pediu ajuda dos governos para entender ainda quando uma pessoa é
mais infecciosa. Um dos estudos aponta que tal momento é quando o
paciente desenvolve sintomas, momento em que ele tem mais vírus no
corpo. "Estamos só no começo disso tudo", afirmou.
Absolutamente convencidos
Michael
Ryan, diretor de operações da OMS, também adotou o mesmo tom. "Estamos
absolutamente convencidos de que a transmissão por pessoas
assintomáticas está ocorrendo, a questão é saber quanto", afirmou.
"Ambos
- sintomáticos e assintomáticos - contribuem para transmissão. A
questão é saber qual é a proporção de cada um", disse Ryan.
Ele da
um exemplo: uma pessoa que está num restaurante e bem. Mas de repente
começar a se sentir com mal-estar e febre. "É nessa etapa que uma pessoa
pode estar transmitindo", disse. "Temos de admitir: não é um vírus
fácil de parar", afirmou.
Para
ele, o que se sabe é que a melhor forma de combater o vírus é a de saber
onde ele está para poder suprimir a transmissão. Ou seja, ampliar o
número de testes.
Ryan
deixou claro que a OMS continua mantendo a mesma recomendação em termos
de resposta de distanciamento social e que nada mudou por enquanto. Ele
lembra que os números da pandemia continuam aumentando. "Estamos subindo
ainda a montanha. Precisamos adotar as medidas, pois sabemos que
funcionam", afirmou.
O
especialista deixou claro que as quarentenas não apenas funcionam, como
continuam sendo recomendadas. "Mesmo sem dados exatos sobre a
transmissão, vários países do mundo já mostraram que, quando fazemos
isso, suprimimos o contágio", disse. "Quando não sabemos onde o vírus
está, colocamos todos em suas casas até as chamas baixarem, e, quando
temos um bom sistema de vigilância, reabrimos com cautela", insistiu.
Para
ele, se houver uma operação maior dos governos para identificar os
surtos, com amplos testes, existiria a possibilidade de não ter de
colocar em confinamento 100% da população. Mas, para isso, a tarefa será
a de identificar e testar. "Isso pode ter êxito para parar a doença e
ainda ajudar a economia", defendeu. Nos últimos dias, a OMS vem
apontando como as estratégias de confinamento funcionaram no esforço de
barrar o vírus.
Manipulação
Bolsonaro,
porém, escolheu apenas certos trechos da reunião para usar na defesa de
uma abertura mais rápida da economia. Ele não citou a mesma diretora da
OMS alertando minutos antes que o combate contra a pandemia estava
"longe de terminar" e que o "maior risco" neste momento é a complacência
por parte de governos. Nada disso, porém, foi citado pelo presidente
brasileiro.
Na
mesma coletiva de imprensa, a OMS pediu que o Brasil mantivesse a
transparência nos dados e, num recado velado, apelou para que a América
do Sul mostrasse liderança política.
A OMS
também deixou claro que a situação internacional está piorando, e não
melhorando. Entre sábado e domingo, o mundo registrou o maior número de
casos em seis meses, com 136 mil novos diagnósticos positivos.
Nada
disso foi mencionado por Bolsonaro. "Ontem a OMS também disse que a
transmissão de pessoas assintomáticas é praticamente zero. Muitas lições
serão tomadas. Isso pode sinalizar a uma abertura mais rápida e do
comércio e a extinção de medidas mais rígidas autorizadas pelo STF e por
prefeitos e governos estaduais. O governo federal não participou disso.
Vai ter muita discussão", disse Bolsonaro durante a 34ª reunião do
Conselho de Ministro.
"Esse
pânico que foi pregado lá atrás por parte da grande mídia começa talvez a
se dissipar levando em conta o que a OMS falou por parte do contágio
dos assintomáticos", completou o presidente.