Alçado ao posto no meio do furacão do coronavírus e de uma crise política aguda, o novo ministro da Saúde, Nelson Teich, tem trabalhado isolado e vai a reboque das tentativas do presidente Jair Bolsonaro de colocar um fim ao isolamento social, apesar do avanço acelerado do coronavírus no país.
Nomeado em 17 de abril para substituir Luiz Henrique Mandetta, com quem
Bolsonaro tinha desavenças públicas sobre o isolamento social do
coronavírus e o medicamento cloroquina, Teich foi o trunfo do presidente
para afirmar que estava trocando o ministro que criticava por um
técnico respeitado.
Ao ser informado pela imprensa esta semana sobre o decreto de Bolsonaro
que ampliou as atividades essenciais para incluir academias e salões de
beleza, Teich indagou: "Saiu hoje, foi?". Depois disse que não era
atribuição do ministério, mas uma decisão do presidente.
"Foi constrangedor, sem dúvida. Mas parece que aquilo foi um teste, e
ele passou", disse à Reuters uma fonte próxima a Teich sobre o episódio
das academias e salões de beleza. "Disse que era atribuição do
presidente e que ia ver como se fazia depois. Não comprou essa briga",
acrescentou.
Na semana passada, quando Bolsonaro recebeu empresários e assinou outro
decreto ampliando as atividades essenciais --para incluir atividades
industriais e construção civil-- Teich também não estava presente, assim
como não foi convidado para a visita surpresa de Bolsonaro, ministros e
empresários ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias
Toffoli, para reclamar das medidas de isolamento social adotadas pelos
Estados.
Desde que assumiu, Teich foi recebido pelo presidente somente duas
vezes: no dia 20, em audiência com o ministro da Casa Civil, Walter
Braga Netto, e no dia 23, com o presidente do Conselho Federal de
Medicina, que foi apresentar a posição da entidade sobre uso de
cloroquina no tratamento da Covid-19.
Sem essa proximidade com o presidente, Teich passou a lentamente fazer
uma defesa do isolamento social --apesar da posição firmemente contrária
de Bolsonaro-- e chegou a dizer que em alguns lugares seria necessário o
lockdown, a forma mais restrita do isolamento.
O ministro também se posicionou diferentemente de Bolsonaro com relação
ao uso da cloroquina e lamentou publicamente as mais de 10 mil mortes
pela Covid-19 no país, enquanto o presidente já se manifestou dizendo:
"E daí?", quando questionado sobre os óbitos.
As posições do ministro acabaram ativando uma campanha das redes bolsonaristas na internet contra Teich.
"Um processo de fritura existe das redes bolsonaristas, isso não tem
dúvida. As tags levantadas no final de semana vieram depois dele postar
sobre as 10 mil mortes e não foram espontâneas, teve inteligência
artificial aí", disse a fonte, acrescentando, no entanto, que a relação
com o presidente "não é ruim".
Segundo a fonte, o ministro conversa constantemente com o presidente,
por telefone, para discutir o que está sendo feito e explicar suas
posições.
"#FORATEICH"
Ao contrário de Mandetta, que teve discussões privadas acaloradas com o
presidente e se posicionava em público frequentemente contrariando o
presidente, Teich não levanta eventuais divergência em público e tenta
conciliar o que acredita com que o presidente defende.
O resultado é que as falas do ministro sobre o assunto são largamente
ignoradas por Bolsonaro. "Ele veio sabendo qual era a posição do
presidente, não são novidades. Ele veio com a intenção de conciliar",
disse a fonte.
Questionado sobre o trabalho do ministro, Bolsonaro disse na
terça-feira que ele "pode falar o que quiser, não tem problema", e está
fazendo um bom trabalho.
"Se coloque no lugar dele. Pegou uma situação complicada. O Ministério
da Saúde, em si, já é um problema, tá? Tendo em vista vícios que
tínhamos aí. Ainda pega com a crise da pandemia. Não é fácil, eu não
posso cobrar dele muita coisa. Tenho conversado com ele, pretendo amanhã
conversar de novo, tá ok?", disse.
Na manhã desta quarta-feira, perguntado novamente sobre o ministro,
Bolsonaro disse que todos os seus ministros precisam estar "afinados"
com ele e que são escolhas políticas. Em seguida, repetiu que iria falar
com Teich sobre o protocolo para uso da cloroquina --o presidente quer
uma mudança para permitir o uso nos sintomas iniciais da doença-- mas
não criticou o ministro.
De acordo com outra fonte ouvida pela Reuters, não há um problema no
Planalto com Teich. A visão é que Bolsonaro gosta do ministro,
especialmente da sua "discrição" -- um dos pontos de atrito com Mandetta
era justamente o fato de o presidente achar que seu ex-ministro queria
ser "estrela".
Depois que as hashtags "Teichliberacloroquina" e "ForaTeich" ganharam
destaque nas redes sociais, Teich usou o Twitter para tratar do uso da
cloroquina. Lembrou que o ministério já tem protocolos autorizando o uso
desde o final de março e acompanha todas as pesquisas sobre
medicamentos, mas advertiu que o remédio tem efeitos colaterais.
"A cloroquina é um medicamento com efeitos colaterais. Então, qualquer
prescrição deve ser feita com base em avaliação médica. O paciente deve
entender os riscos e assinar o 'Termo de Consentimento' antes de iniciar
o uso", escreveu.
Até agora, o ministro também não tem uma equipe para chamar de sua.
Poucos dias depois de sua nomeação, foi informado de que seu
secretário-executivo seria um general da ativa, Eduardo Pazuello. Depois
disso, vários técnicos do ministério foram exonerados, mas boa parte
dos cargos se mantém vaga.
Pazuello trouxe para a Saúde cinco militares, alocados em vagas da
secretaria-executiva e do gabinete do ministro, para cuidar de coisas
como logística e pagamento.
Única pessoa próxima de Teich na equipe, o secretário de Ciência,
Tecnologia e Inovação, Denizar Vianna --ex-sócio de Teich-- foi
exonerado em 30 de abril com a previsão de que seria renomeado como
assistente direto do ministro, o que não aconteceu até hoje, apesar de
ele seguir trabalhando.
Para o lugar de Vianna entrou o professor da Universidade Federal do
Rio de Janeiro Antonio Carlos Campos de Carvalho, uma indicação política
do chamado centrão, assinada apenas pelo ministro da Casa Civil.
Teich conseguiu, no entanto, convencer o secretário de Vigilância em
Saúde, Wanderson Oliveira, a ficar no cargo. Primeiro a pedir demissão
quando soube que Mandetta iria sair, Wanderson ficou para fazer a
transição e, segundo uma fonte, desenvolveu uma boa relação com o
ministro.
Seu cargo chegou a ser oferecido também ao centrão, mas não apareceu --ao menos por enquanto-- um nome para ocupar a posição.