Não é nenhuma novidade que o Ceará figure entre
os estados do Brasil com o maior número de óbitos em decorrência
da Covid-19 - a doença provocada pelo novo coronavírus. Atualmente, está
em terceiro neste cálculo, perdendo apenas para os registros em São
Paulo (3.743) e Rio de Janeiro (1.770). Mas os cearenses não têm só essa
conta para fazer. Isso porque, de acordo com dados da universidade
estadunidense Johns Hopkins, que mapeia, em tempo real o número de casos
confirmados e óbitos pela doença ao redor do globo, o Ceará está à
frente também de 141 países do mundo neste quesito. Estão considerados
nessa análise locais onde a pandemia já está em declínio; onde ela
acabou de começar; ou que têm curva epidemiológica parecida com a do
Estado.
Até às 17h21 dessa segunda-feira (11), o Ceará somava 1.189 óbitos em
razão do novo vírus, sem contar as 334 mortes suspeitas, cuja testagem
foi realizada para possível confirmação da doença. Apenas nas últimas 24
horas, foram 75 mortes registradas. As informações regionais constam na
última atualização da plataforma IntegraSUS, da Secretaria da Saúde do
Estado (Sesa).
Em número de casos fatais, o Ceará está à frente de países com
populações maiores que a sua e que fazem fronteira com outras nações já
castigadas pela pandemia da Covid-19 neste ano, como é o caso de
Portugal. Na Europa, os portugueses dividem limites com a Espanha e o
Oceano Atlântico. Porém, enquanto 26,6 mil espanhóis morreram por causa
do coronavírus, em Portugal foram 1.144 até essa segunda-feira, conforme
a Johns Hopkins.
Quando comparado a um país vizinho ao Brasil, só o Ceará já registrou
quase quatro vezes o número de mortes totais da Argentina. Até essa
segunda, 305 argentinos faleceram em razão da infecção viral.
Considera-se, entretanto, que a população argentina é quase cinco vezes
maior do que a cearense. O que confere ao país latinoamericano uma taxa
de mortalidade significativamente inferior.
Dos cinco países mais populosos do mundo, os cearenses apresentam
maior índice de óbitos do que dois deles: Paquistão (667 mortes com
população de 212,2 milhões) e Indonésia (991 óbitos, com população de
267,7 milhões). Ambos estão na Ásia, continente que apresentou o
primeiro registro da Covid-19. Os dois países, atualmente, estão
passando por um aumento no número de casos e mortes, o que pode indicar o
crescimento da infecção.
Comparativo
De acordo com o epidemiologista Luciano Pamplona, professor da
Universidade Federal do Ceará (UFC), se já é "muito difícil" comparar a
situação da Covid-19 no Ceará e nos demais estados do Brasil, mais
complexo ainda é tecer semelhanças com outros países do mundo.
Contudo, para o especialista, a leitura é clara: "a gente está pior
do que os outros países porque, de fato, a nossa situação é muito grave.
O país que tem mais ou menos óbitos neste momento está ligado à
informação ser divulgada, à condição de investigação desses óbitos e ao
acesso ao tratamento", exemplifica.
Para Luciano Pamplona, o fato que reforça a situação grave é a
decretação de lockdown (bloqueio total) - também chamado de "isolamento
social rígido" - em Fortaleza até o dia 20 de maio. Decisão que, no seu
ponto de vista, foi acertada e tomada no momento certo. "Nenhum
governador em sã consciência, sabendo do impacto econômico que isso tem,
faria isso se não soubesse o quão grave é (a situação epidemiológica)",
diz, ao atentar para a disseminação da infecção pela periferia e pelo
interior cearense.
Conforme o epidemiologista, "se você vai na periferia, ainda hoje tem
gente que não acredita que existe coronavírus, que essa doença é
besteira, que não precisa usar máscara. É completamente diferente desses
países da Europa e da Ásia, em que há uma educação muito melhor do que a
nossa, e as pessoas desde muito cedo entenderam que precisavam usar
máscara", sugere, evidenciando aspectos culturais e educacionais das
populações continentais, que têm impacto direto.
Ausência
O mundo não está preparado para uma pandemia global de um vírus
respiratório. A afirmação foi dada pela Organização Mundial da Saúde
(OMS) quando a Covid-19 ainda estava limitada a territórios chineses, em
janeiro deste ano. Nesta época, ainda não sabíamos o nome da doença e
nem a nomenclatura do Sars-CoV-2.
Do dia 31 de dezembro de 2019, quando houve a primeira notificação em
Wuhan, na China, até às 20h dessa segunda-feira (11), já eram 4.165.752
casos confirmados ao redor do globo, em todos os continentes, dos quais
285.307 evoluíram para óbito, conforme o mapa mundial da Universidade
Johns Hopkins.
"Se imaginar que, em Nova York, que fica no país mais rico do mundo,
faltou médico, faltou respirador, faltou leito, não preciso dizer mais
nada... Vai faltar em todo canto. Nenhum país tem 2 mil leitos de UTI
guardados e disponíveis para a hora que quiser usar, isso não existe. A
gente está vivendo uma situação absolutamente fora do parâmetro que a
gente tinha", atesta Luciano Pamplona.
Quem vive
O publicitário Mardônio Andrade, 33, se mudou para Buenos Aires ainda
em fevereiro deste ano, antes de a Argentina confirmar o seu primeiro
caso da Covid-19, registrado em 3 de março. Ele mora com a esposa que
estuda medicina na capital argentina e iniciou as atividades no país
latino em um curso de espanhol, a fim de se familiarizar com a língua
local. Contudo, as aulas presenciais não foram mais do que duas.
Com as medidas restritivas - endurecidas pelo Ministério da Saúde
argentino a cada semana que passava - as aulas passaram a ser virtuais e
o publicitário viu sua quarentena chegar, de fato, aos 40 dias. "As
medidas são fundamentais e muito necessárias e com os números você
consegue perceber o quanto isso é eficaz. Eu sou totalmente a favor,
neste momento, pois os números falam por si só como deram certo",
acredita Mardônio.
De acordo com o publicitário, pelo que consegue observar nas ruas e
na mídia local, as pessoas aderiram ao isolamento social decretado pelo
governo, com punição para quem desobedecesse as regras. "As pessoas
realmente estavam respeitando. Logo no começo, quando ia pro
supermercado, teve a loucura inicial, todo mundo comprando as coisas,
mas, depois que rolou isso, quando fui novamente, todo mundo tinha que
ficar de fora, com um metro de distância, e as pessoas respeitavam. Foi
uma das coisas que me surpreenderam aqui", narra Mardônio.