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"Hoje, eu sei falar de verdade que sempre fui assim. Sempre fui Bruna e
sempre fui mulher". Foram três anos até que Bruna de Souza Silva,
transexual, estudante de Educação Física, pudesse assumir oficialmente o
gênero que lhe não veio designado no momento, mas que sempre foi seu.
Ao conseguir o direito de alterar nome e sexo no registro civil, por
meio de decisão judicial proferida no dia 13 de dezembro de 2017 pelo
Tribunal de Justiça do Estado (TJCE), a cearense passou a representar
milhares de mulheres e homens transexuais que lutam para ter reconhecida
sua verdadeira identidade.
No Ceará, a Defensoria Pública do Estado é um dos principais pontos de
apoio para transexuais que desejam solicitar à Justiça a adequação de
nome e gênero. No entanto, o baixo número de processos impetrados com o
auxílio do órgão (apenas seis em 2017) revela que a busca por
reconhecimento ainda é um desafio, seja pelo desconhecimento de um
direito previsto em lei ou pela descrença no Sistema Judiciário. A
batalha de Bruna durou três anos.
Para obter a autorização judicial, a estudante de 32 anos, que se
identifica como mulher desde a adolescência, precisou recorrer contra os
pareceres iniciais da Justiça, os quais lhe permitiram mudar apenas de
nome, não de gênero. "Dei vários documentos, provas e testemunhas,
pessoas que me conheciam desde minha fase de transição. Foi muito
demorado", lembra. Somente após a apresentação do material e de um laudo
psiquiátrico que comprovava o conflito de identidade, veio a decisão
favorável. "Foi uma luta mesmo", completa a cearense.
As dificuldades e a lentidão do processo terminam por desestimular a
procura pela adequação, explica a defensora pública Francilene Gomes,
responsável pelo caso de Bruna. "As pessoas ficam desmotivadas porque é
algo novo, então elas se sentem numa aventura jurídica. Acham que vão
enfrentar uma 'via-crúcis'", destaca. "De fato, é uma situação nova, mas
o Direito já evoluiu bastante. A sociedade está sempre além e o Direito
vai se adaptando", completa.
A defensora observa, contudo, que muitos transexuais ainda desconhecem a
possibilidade de alterar os dados nos documentos de identificação, o
que inclui não só o nome, mas também o gênero. Desconhecem,
principalmente, que o direito não se restringe apenas às pessoas que já
realizaram a cirurgia de redesignação sexual. "Isso é um avanço.
Antigamente, em algumas decisões, a pessoa precisava de autorização para
mudar de sexo para poder mudar o gênero. Mas isso não é uma questão
meramente biológica, também é psicológica", diz.
Bem-estar
Para Bruna, o reconhecimento como mulher significa bem-estar
psicológico e social. "A gente passa por muito constrangimento. As
pessoas que estão do lado de fora não têm noção. Imagina você, uma
figura feminina, quando vai fazer uma consulta médica, ser chamada pelo
nome de uma pessoa e aparecer outra", recorda. A estudante lembra,
ainda, o preconceito que sofre até hoje na faculdade. "Quem respeitava
meu nome eram os professores, mas a gestão em si não respeitava", diz.
Agora, Bruna espera que seu caso sirva de motivação para outras pessoas
transexuais. "Tem muitas 'trans' que não sabem se defender, que não
sabem a quem procurar; então isso é muito importante", destaca.