O ditado é antigo, mas nunca fez tanto sentido:
na vida líquida de hoje, um dos maiores inimigos da saúde pública é a
doença por somatização. Você sabe o que é isso?
O termo “somatizar” se popularizou nas últimas
décadas, especialmente com a explosão de casos de depressão profunda em
todo o mundo. E não foi por um acaso. No recente Congresso de Doenças do
Sistema Nervoso Central, promovido no mês de maio passado no Brasil, o
psiquiatra David Sheehan, da Universidade do Sul da
Flórida – reconhecido mundialmente por dedicar sua carreira aos estudos
relacionados à doença – afirmou em sua participação que cerca de 11
milhões de brasileiros têm depressão – a maior estimativa em toda a
América do Sul, quase 6% da população, segundo a OMS.
Ao redor do mundo, são 320 milhões afetados pelo transtorno. E, segundo estudos, até 2020, este “mal do século” deve ser a segunda causa de adoecimentos no planeta – o que é bastante preocupante.
Assim como a depressão, a “dor oriunda das emoções”
também tem crescido entre a população e chamado a atenção de médicos e
especialistas. Mas ao contrário do que prega o senso comum, ela está bem
longe de ser uma característica da hipocondria ou mera simulação.
O emocional que adoece
A somatização é, na verdade, uma mistura de componentes psíquicos com manifestações orgânicas – provocadas por tensões emocionais. O que prova, de certa maneira, que o corpo e a mente estão totalmente interligados. Mais do que isso: não trabalham conjuntamente bem quando um dos dois apresenta qualquer tipo de falha.
E não é conversa de avó: as emoções podem mesmo se
transformar em males no corpo. É a forma como o organismo reage
colocando suas emoções, frustrações e aflições para o mundo externo de
cada um.
E engana-se quem pensa que somente doenças
mais sérias são resultado de uma somatização: um inocente resfriado ou
mesmo uma dor de barriga em momentos inadequados podem ser um indicativo
de doença psicossomática se manifestando, tentando avisar que algo não
vai bem com os nossos afetos ou mesmo com o que os especialistas chamam
de conteúdos internos.
Em entrevista à Associação Brasileira de
Psiquiatria, o Dr. José Moromizato afirmou que o corpo é um reflexo do
que as pessoas pensam e sentem – e, na maioria das vezes, não falam.
”Quando reprimimos nossas emoções, elas vão se acumulando até o ponto em que nos machucam profundamente. Só que a represa cheia extravasa por algum lado, e explode em algum órgão mais sensível. Exigimos tanto do organismo que, num determinado momento, ele pede socorro. Se não observarmos os sintomas internos, eles podem agravar-se e nos afastar do trabalho, da família, dos amigos e até mesmo das pessoas que mais amamos”.
E a classe médica já reconhece esta
manifestação, que é aparentemente psicológica, já deixou de ser apenas
uma suspeita: segundo o psiquiatra, quando se somatiza, o corpo coloca
para fora as emoções por meio de um resfriado, diarreia, herpes,
enxaqueca ou, na maioria dos casos, por meio de gestos, mímicas,
contraturas, calor, tremor, dores de barriga, sustos, travamento dos
dentes, entre outras demonstrações físicas.
“Desde a fase intra-uterina, todos os eventos
são processados pela mente. Os fatos são interpretados pelo consciente
como positivos ou negativos e memorizados pelo inconsciente. O problema é
que a maior parte das notícias é ruim, o que vai aumentando a carga
negativa. A sobrecarga faz a pessoa ficar nervosa, agressiva, e até
adoecer. Mas, de acordo com os meus estudos, e com base em análises
científicas, afirmo que entre 80 e 90% de tudo o que ocorre no nosso
corpo e no nosso comportamento é consequência dos fatos negativos que
ficam gravados em nosso inconsciente”, afirmou o especialista da ABP.
E como prever que algo poderá acontecer, de
forma preventiva? Segundo os médicos, as doenças psicossomáticas dão
alguns sinais importantes, antes de se transformarem em síndromes reais.
Choro excessivo, nervosismo, agressividade e dependência de substâncias
podem levar ao adoecimento e às moléstias no corpo. Entre as mais
comuns que chegam aos consultórios médicos na atualidade, o infarto, a
pressão alta, bronquite, asma, gastrite, colite, úlcera, obesidade,
impotência e frigidez. Dores na coluna ou em outras partes locomotoras
sem nenhuma fratura ou lesão também podem ocupar seu lugar nessa lista.
A mudança de hábitos para evitar os pontos de
atenção, no entanto, depende de fatores que nem sempre estão ao alcance
dos pacientes – reconhecem os médicos. Os incontáveis desafios da vida
contemporânea muitas vezes não permitem que atividades e técnicas sejam
testadas ou aplicadas para que se tenha uma vida melhor e menos
estressante. Segundo o próprio Dr. Moromizato, “é o viver sem o sentido
de existir propriamente”.
Terapias,
tradicionais ou alternativas, atividades que gerem prazer e satisfação,
mesmo que por um curto espaço de tempo do dia, podem ser um gatilho
para começar o trabalho de prevenção. Os resultados podem não ser
imediatos, mas podem trazer mais confiança, tolerância e tranquilidade.
Não é possível vencer as adversidades sempre e a todo momento. Batalha e luta fazem parte do nosso processo de amadurecimento como sujeitos no mundo – e saber lidar com essas possibilidades de insucessos também é uma forma terapêutica de, ao menos, evitar a somatização e sofrimento do corpo físico.