Femia Tchulani é
uma vendedora de legumes que sobreviveu a uma tentativa de sequestro
organizada por "caçadores" de albinos, que queriam matá-la para tirar
partes de seu corpo.
Ela narrou o caso, ocorrido em sua casa no Malauí há dois anos, a Patience Atuhaire, da BBC África.
Tchulani
conta como é viver sob ameaça, com medo das pessoas que acreditam que
partes dos corpos sem pigmentação de albinos trazem saúde e sorte.
"Era uma
sexta-feira. Cinco homens e uma mulher chegaram à minha casa por volta
das 19h. Quando apareceram, eu estava na cozinha preparando o jantar.
Meu marido estava do lado de fora.
Disseram que procuravam por
mim. Falaram que eram policiais e estavam ali para me proteger porque
receberam a informação de que queriam me matar.
Fiquei assustada.
Eram total estranhos, nunca os tinha visto antes. A chegada deles criou
uma certa comoção e fez com que alguns dos nossos vizinhos se reunissem.
Apesar
de terem dito que eram policiais, eles não usavam uniforme. No começo,
não me convenceram. Mas então mencionaram o nome do chefe de polícia da
nossa área. Nós até pedimos para que eles descrevessem o chefe; e eles
os fizeram.
Na verdade, nos mostraram armas e até carteiras de
identificação. Mas claro, a gente não tinha como saber se eram
verdadeiros ou não.
Meu marido e eu, além de alguns vizinhos,
concordamos em ir com eles até a uma unidade policial. Quando chegamos
lá, o posto estava trancado.
Os cinco que alegavam ser policiais
chamaram outras três pessoas que estavam num bar próximo. Eles tentaram
forçar meu marido e a irmos até outra unidade policial, mais longe da
nossa área.
Foi tudo muito estranho, porque mandaram embora todos
os curiosos que pararam perto da gente. Ficamos apenas eu, meu marido e
os vizinhos que vieram conosco.
Meu
marido insistiu que eles não deveriam me levar sozinha. Ele ficou
argumentando que não tínhamos cometido nenhum crime; e, por isso, por
que ir à polícia?
Quando eles perceberam que a gente não ia sair dali, ficaram nervosos e simplesmente foram embora.
Eu
nunca os vi novamente desde aquele dia. Conhecemos os policiais que
trabalham na nossa área, e essas pessoas eram estranhos para todos nós.
Minha vida mudou completamente desde então.
Tenho
oito filhos, alguns ainda na escola. Antes do incidente, eu ia comprar
vegetais e os vendia de porta em porta. Agora, estou sempre com medo de
ir muito longe. Deixo os vegetais num banco do mercado, onde eu os
vendo.
Não consigo muito dinheiro para pagar a escola,
comprar uniforme e até comida para minhas crianças. Preciso limitar
minhas vendas ao mercado. Algumas de nossos filhos foram mandados da
escola pra casa.
Eu não acho que a polícia ou o governo estão fazendo algo para proteger albinos como eu.
Vivo com a graça de Deus. E agradeço a Deus quando acordo todas as manhãs. Ainda não me sinto segura.
Por
exemplo, teve uma noite no mês passado que algumas pessoas tentaram
entrar na minha casa pelo telhado. Eu acordei e fiquei alerta. A gente
saiu da casa e gritou. Só assim eles fugiram.
A nossa comunidade
está atenta aos riscos, especialmente vizinhos e as mulheres no mercado.
É por isso que eles fizeram esse monte de pergunta à equipe da BBC.
Eles sabem o que aconteceu comigo e não querem que se repita.
Olha pra minha casa, nem tenho boas portas para me proteger à noite.
Então,
à noite para mim é como se fosse dia. Estou muito assustada para
conseguir dormir. Tenho medo que essas pessoas voltem. Eu adoraria que o
governo me ajudasse com uma boa casa.
Também gostaria que o
governo cuidasse do meu bem-estar porque estou impossibilitada de
trabalhar e ganhar dinheiro suficiente para minha família por causa do
que aconteceu.
Se isso acontecesse, eu seria uma pessoa feliz."
Perseguição a albinos
-
No ano passado, as Nações Unidas emitiram um alerta no qual afirmava
que 10 mil albinos no Malauí estão ameaçados por causa dos assassinatos
cometidos por quem quer partes dos corpos deles.
- Desde novembro de 2014, 19 albinos foram mortos e houve mais de 100 casos de desaparecimento ou tentativa de sequestro.
- Covas de albinos também são alvos de criminosos que removem os ossos dos cadáveres para vendê-los.
-
A Anistia Internacional afirma que a maioria dos ataques contra albinos
fica sem solução por causa da falta de capacidade da polícia de
investigar.
- Ativistas dizem que a pobreza contribui para
alimentar a crença de que partes do corpo de albinos trazem sorte e
fortuna e também para sustentar esse comércio macabro.