Encontrei
Isabel Dias no café de um shopping paulistano. Uma mulher elegante,
discreta, educadíssima, entre os cinquenta e sessenta anos (não adianta
perguntar: ela não revela a idade). Dei um gole demorado no suco
enquanto imaginava por onde começaria esta entrevista.
Pelas
infidelidades do ex-marido que culminaram no divórcio após 32 anos de
casamento? Ou pelas histórias de cada um dos 32 homens com quem transou
motivada por um desejo de vingança? Pela coragem de lançar publicamente
essas aventuras sexuais, sem deixar de fora nem mesmo sua estreia no
swing? Ou, ainda, pela redescoberta de seu valor e da própria
sexualidade?
Com sua voz serena e a maior naturalidade do mundo,
Isabel me falou de vibrador, preconceito, monogamia, orgasmo, liberdade,
fetiche, exposição. Na mesa ao lado, um de seus três filhos aguardava o
fim da nossa conversa. Veio dele a ideia e o incentivo de transformar a
jornada erótica da mãe no livro “32 – um homem para cada ano que passei
com você”, espécie de diário em que relata todos os encontros.
NATHALIA - Como você reagiu ao descobrir as infidelidades do seu ex-marido?
ISABEL
- Recebi uma ligação anônima dizendo que meu marido tinha uma namorada.
Questionei e ele admitiu que havia sido um “affair”, mas eu era a
“mulher de sua vida”. Mesmo assim fiquei muito insegura, não acreditava
mais nele - dormia com um olho aberto e outro fechado. Passei cinco anos
sem coragem de procurar mais a fundo porque teria que abrir mão da
nossa vida estável e dos planos para o futuro. Quando resolvi descobrir
tudo, assumi de uma vez para mim e para a família.
NATHALIA - Não pensou em dar o troco enquanto estava casada?
ISABEL
- Não era de bom tom. Eu era uma senhora… O mais importante pra mim era
manter o meu projeto de vida ao lado dele até o final. Antes de nós nos
perdermos, tivemos muitos momentos felizes. Ele era um bom pai também.
NATHALIA - Até então, ele havia sido seu único “homem”. A vida sexual no casamento te satisfazia?
ISABEL
- Naquela época, eu achava que aquilo era ótimo e me bastava porque não
tinha referências. Nunca imaginei buscar outras coisas no sexo. De
repente, depois do divórcio, descobri que o mundo tem um monte de
possibilidades.
NATHALIA - Em que estado emocional você estava assim que se separou?
ISABEL
- Eu me sentia uma “merdinha”. Achei que tivesse acabado como mulher,
que a culpa era minha porque não o satisfazia e ele precisou buscar mais
quatro fora. Minha autoestima ficou lá embaixo e eu acreditava que
jamais conseguiria me reerguer… Me mudei para São Paulo, procurei uma
terapeuta e voltei a trabalhar.
NATHALIA - O que esperava ao criar um perfil num site de relacionamentos sob o pseudônimo de Estela Andrade?
ISABEL
- Viver fortes emoções, mostrar a mim mesma que eu podia e não era
aquela “merdinha”. O direito do recomeçar e da sexualidade é de todo
mundo. Não preciso me esconder dentro de casa porque sou mulher e tenho
quase 60 anos. Comecei a receber diversas mensagens de homens
interessados. Mas tinha medo do perigo real de encontrar e ir para a
cama com um cara desconhecido. De me assaltarem, me sequestrarem. Também
não queria encontrar uma pessoa carente demais para me sufocar. Nem me
apaixonar.
NATHALIA - A vingança foi o que te motivou no projeto de sair com 32 homens. Isso mudou com o tempo?
ISABEL
- Sim. Era uma raiva muito grande. Depois fui me descobrindo, como se
subisse degraus de uma escada ao longo das experiências que vivi. A
mulher que acabou esse projeto não é a mesma que começou. Aquela que
saiu com o primeiro homem tinha a insegurança de vestir dez roupas, se
preocupava se ele ia gostar dela, estava cheia de preconceitos em
relação ao sexo.
NATHALIA - Numa das passagens do livro, um homem pede que você se admire diante do espelho. Por que foi tão difícil?
ISABEL
- As imperfeições do tempo. Olhar para o corpo e não é mais aquilo que
foi um dia. A minha maior vergonha de sair com um cara era tirar a
roupa. Ficava imaginando que, na hora de tirar o sutiã, o peito iria
cair. Que ele enxergaria as minhas celulites. Mas, enquanto eles me
diziam que eu era linda, fui aprendendo a me olhar com mais generosidade
– meu espelho interior estava muito deturpado. E isso foi incrível para
mim: vi que podia botar decote, roupa justa e me achar uma delícia na
meia idade.
NATHALIA - Você saiu com muitos homens casados. Pensou nas mulheres traídas, como você foi um dia?
ISABEL
- Aprendi a ser mais racional e egoísta, sim. Pensava: “Eu não tenho
nada com isso, não quero saber se é casado, se está feliz ou não, nem
qual o telefone da casa dele”. Não cabia a mim discutir a relação dele
com outra pessoa. Às vezes o corpo manda mais que o coração. Eu queria
um bom momento e só. Pegava emprestado um pouco, deixava claro que não
me interessava namorar e casar. Não faria nada para expor e prejudicar
alguém num relacionamento.
NATHALIA - Um dos seus encontros foi com um vibrador, dentro do carro, parada no trânsito. Era também uma novidade pra você?
ISABEL
- Sim! Ele é meu companheiro. Descobri que não preciso de um homem para
ter prazer – embora seja melhor com um. Você tem que se conhecer, saber
do que (e como) você gosta. Até pra dizer pro parceiro. E esse é um
processo solitário. Na minha época, a mulher não podia se tocar, ouvia o
tempo todo “tira a mão daí”. Ela era conduzida no sexo, não conduzia.
Experimentei brinquedos eróticos depois de me separar: no casamento o
sexo era uma coisa pra cumprir tabela. Não tinha incentivo,
conhecimento, autoconfiança. Eu não investia em fantasia sexual,
lingerie etc. Hoje visto uma calcinha fio dental, aquela que tem zíper
na frente…
NATHALIA - Aliás, você realizou fetiches como
transar em lugares “perigosos” como um escritório lotado de gente, sexo
de olhos vendados, ménage a trois, swing…
ISABEL - Ah, foi
maravilhoso! Só a preparação para uma aventura sexual já é deliciosa –
às vezes mais do que realizá-la. Essa coisa de botar um vestido sem
calcinha e ir andando até o escritório do cara, saber que os
funcionários estavam todos do lado de fora da sala, que a porta não
estava trancada, que precisaríamos abafar os gemidos… Transar com uma
mulher e, depois, com várias pessoas num swing também foi superar
preconceitos. Sempre gostei de literatura erótica e, quando desconhecia
um fetiche, ia pesquisar. Ainda tenho alguns pra fazer.
NATHALIA - Que situações te surpreenderam ou te broxaram?
ISABEL
- Fiquei em choque quando um cara finalizou numa “espanhola” (ejacular
entre os seios). Nem sabia que existia isso. Acho que deve ser coisa de
jovens com medo de engravidar alguém. Mas eu broxava com dois tipos de
situações. Com o homem egoísta, aquele que não se preocupava com o meu
prazer. Não existe isso de “gozou, vira para o lado”. Primeiro eu, meu
bem, depois você. Se segura, malandro (risos). Também não curto o jogo
de submissão e dor. Um dos homens me disse: “Você tem que fazer isso
porque eu quero”. Não, foda-se você. Nunca fiz nada que eu não quisesse.
NATHALIA - Você fingiu orgasmos?
ISABEL - Não, acho
que não. Ao mesmo tempo que o orgasmo é a cereja do bolo, o prazer
durante o sexo compensa. Às vezes, a situação era tão excitante que eu
me segurava para aproveitar mais.
NATHALIA - Teve a impressão de que os encontros eram superficiais? Necessidade de um vínculo maior?
ISABEL
- Não estava preparada para ter um vínculo mais íntimo. Dar o corpo é
diferente de dar a alma para alguém. Não queria mergulhar naquela rotina
desgastante, na posse etc. Eu fiz boas amizades com alguns deles e isso
bastava. A superficialidade depende: no segundo ou terceiro encontro
você pode realmente trocar com o outro e estar mais presente do que com
alguém com quem você dorme toda noite ao lado e não tem mais nenhuma
ligação, não sabe o que ele fez durante o dia, o que está pensando etc.
NATHALIA - Como surgiu a ideia do livro?
ISABEL
- Minha psicóloga sugeriu que eu botasse no papel as histórias para
que, quando me sentisse deprimida, lembrasse das boas experiências e da
superação. Mandei capítulos para um dos meus filhos, ele me apoiou e
disse que eu tinha um livro nas mãos.
NATHALIA - Por que publicar com o seu nome verdadeiro? Não teve receio da exposição?
ISABEL
- Se eu não mostro a cara e invento um nome, vira um romance, uma
ficção que qualquer um poderia escrever. Tive muito medo. A primeira
coisa que fiz foi ouvir os meus três filhos. Eles ficaram bastante
assustados, mas em nenhum momento disseram “não faça”. Só comuniquei o
resto da família - eu não poderia sair de uma tutela de 32 anos de
casamento e passar para uma tutela familiar. A minha geração, dos 1960, é
praticamente um rascunho da independência e da liberdade feminina. Se
me escondesse, faria o contrário do que preguei na juventude. Por que eu
não poderia falar, se sou independente e livre? A vida é muito curta
pra ligar pros julgamentos morais.
NATHALIA - Você percebe a bandeira feminista que está levantando?
ISABEL
- Não é questão de levantar bandeira nenhuma. Só quero ser feliz. Eu
posso, você pode, todo mundo pode. Meu corpo, minhas regras.
NATHALIA - O assédio aumentou depois do lançamento do livro?
ISABEL
- De vez em quando recebo mensagens no Facebook do tipo “sou fulano,
tenho tantos anos, meu telefone é tal”. Como se eu estivesse sentada
esperando um homem pra vida… Não conseguem entender que a escolha é
minha.
NATHALIA - O seu ex-marido leu?
ISABEL - Não
sei, não tenho contato com ele. Foi bom enquanto durou, hoje não sinto
mais nada. Nem raiva. Quando meu divorcei, achei que minha vida tivesse
acabado. Acabou, sim, mas só aquele ciclo. Hoje é outra vida.
*Nathalia
Ziemkiewicz é jornalista, educadora sexual e idealizadora do blog
Pimentaria. Quer apimentar o mundo com informação e bom-humor.