Um menino de 10 anos morreu na última quinta-feira, 25, em Belo Horizonte, após participar do "desafio do desodorante". João Victor Santos foi encontrado pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) da capital mineira já sem vida e com parada cardiorrespiratória após ter inalado o aerossol contido do produto.
Nas redes sociais, a mãe do garoto informou que ele será sepultado ainda nesta sexta-feira, 26, no Cemitério Parque Terra Santa, no bairro Sabará, em Belo Horizonte. Em entrevista ao jornal O Tempo, o pai de João, Fabiano Teixeira Santos, disse que o filho "gostava de internet e assistir aos vídeos na televisão".
Ele também deu um alerta para outros pais.
"Eu peço para que todos olhem e tomem cuidados com seus filhos.
A internet oferece muitas coisas boas, mas também tem coisas ruins. Se a gente não tomar cuidado, vai acontecer cada vez mais", disse. "A gente pede para que as autoridades façam algo para que novos casos não aconteçam."
O "desafio do desodorante" consiste em uma competição para ver quem consegue inalar a maior quantidade e por mais tempo o aerossol presente nos produtos. A corrente tem viralizado nas redes sociais, especialmente entre crianças e adolescentes.
Essa não é a primeira vez que brincadeiras perigosas desse tipo viralizam na internet e colocam a saúde e segurança de crianças e adolescentes em risco. Em 2019, o "Desafio Momo" se alastrou pelo Whatsapp e incentivava os participantes a cometerem o suicídio através da imagem de uma mulher macabra.
Naquele mesmo ano, o "desafio" ou "Jogo da Baleia Azul" também propunha uma série de 50 etapas a serem seguidas e que culminavam no suicídio da criança ou adolescente. A origem da “brincadeira” nunca foi conhecida, mas os primeiros relatos de pais preocupados vieram da Rússia.
'Jogos perigosos'
Em 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) listou pela primeira vez o vício em jogos como uma doença, destacando um item específico para os "jogos perigosos" (hazardous gaming), onde estão incluídos "desafios" como o Momo, a Baleia Azul e o do desodorante. Dados do Instituto Dimicuida apontam que pelo menos 27 crianças e adolescentes morreram no Brasil até o ano passado ao tentarem alguma dessas "brincadeiras".
A pediatra Evelyn Eisenstein, que é coordenadora do grupo de trabalho Saúde Digital da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), aponta que os "jogos perigosos" se aproveitam da impulsividade dos mais jovens. "Essas 'brincadeirinhas' provocam a impulsividade e glamourizam o nirvana", explica. "O problema é que proibir o acesso online não adianta e, assim, não chegamos a lugar nenhum."
Segundo ela, cabe aos pais estabelecer regras e acompanhar o conteúdo consumido pelos filhos no ambiente online. "Tem que alertar da mesma maneira você ensina a prestar atenção ao atravessar a rua. A internet é um local público e as pessoas podem colocar qualquer coisa lá", frisa. "É como largar uma criança sozinha no meio do Parque Ibirapuera e esperar que nada aconteça."
Psicológa e colunista do Estadão, Rosely Sayão ainda explica que é importante diferenciar o tratamento e a vigilância entre crianças e adolescentes a partir dos 13 anos, que demandam um monitoramento mais "discreto". "O ideal é fazer um trato de que ele vai ver o celular e frequentar as redes sociais, porém ciente de que os pais depois vão ver o que foi feito. Mas não pode fazer isso escondido, precisa ser às claras", ressalta. "Essa atitude já é um controle e pode fazer com que eles evitem fazer alguma coisas por saberem que o pai ou responsável não vai gostar."
No caso das crianças, uma dica que ela dá é, por exemplo, espelhar a atividade do celular na televisão. "Elas não têm ideia do que é a internet e não consegue fazer avaliação de riscos, exceto em pequenas coisas do dia a dia."
Essa falta de experiência e capacidade para avaliar riscos associada à pressão de amigos é o que pode levar uma criança a, por exemplo, inalar o aerosol de um desodorante: "Pode parecer apenas uma brincadeira, porque ela não sabe o que tem ali dentro e não faz ideia do que pode acontecer", aponta Rosely. Acima de tudo, ela frisa, é importante que os pais não confiem nos filhos.
"Tanto a criança quanto o adolescente vão agir de acordo com a idade que têm e desobedecer, se rebelar etc.", aponta. "É o contrário que precisa acontecer: os filhos que precisam confiar nos pais, para dividirem as dúvidas com eles."
Abaixo, ela elenca algumas dicas de como pais e responsáveis podem abordar esse problema e se prevenir contra os "jogos perigosos":
- Alerte sobre os desafios que existem e por que eles são perigosos
- Converse e alerte sobre a pressão social dos amigos e como não se deixar levar
- Nunca deixar a criança ou o adolescente sozinho e trancado no quarto jogando videogames online
- Procure saber e conheça quem está do outro lado da tela
- Atente-se ao conteúdo disseminado pelos jogos
- Estabeleça horários e regras para o uso da internet