Com
caneta e papel na mão, Erivaldo Alencar, de 72 anos, mesmo debaixo de
sol escaldante, escreve seus versos para não perder a inspiração, que
aparece de forma inesperada. Ao mesmo tempo, conduz um carrinho de
picolé pelas ruas de Acopiara, na região do Centro-Sul cearense. A renda
diária de aproximadamente R$ 20 com a venda das sobremesas, somada à
sua aposentadoria, é utilizada para publicar suas poesias, que produz
desde 1998.
O
poeta e picolezeiro, em mais de duas décadas dedicados à arte, já
publicou 17 livros de poesia, 75 cordéis, e mais de 2.700 poemas,
postados quase que diariamente no seu blog.
O
destino traçado para Erivaldo parecia ser aquele muito comum para um
rapaz nascido no interior do Estado. Aos cinco anos, trabalhava na roça e
na lida com o gado, no Sitío Combueiro, distrito de São Paulino, em
Acopiara. Com cerca de 20 anos, deixou a cidade como retirante para
trabalhar em São Paulo. Voltou um ano após a empreitada, com saudades de
casa. Já casado e pai de duas filhas, retornou à capital paulista para
trabalhar em 1970,
Após
se divorciar, tratou de fazer o caminho de volta à terra natal levando
na bagagem um diploma de um curso de eletrônica. Com ele, montou sua
oficina onde trabalhou por 16 anos até voltar ao cabo da enxada. Com a
força da idade e problemas físicos, largou a zona rural e foi morar na
cidade. Desde 2002, percorre as ruas a pé vendendo picolé.
Cultura popular no sangue
A
cultura popular está na sua vida por herança, podemos dizer. Seu pai,
Julio Aires Pereira foi cantador de viola e nos seus versos sempre
entoou a poesia sertaneja, as riquezas da terra. No entanto, Erivaldo só
se descobriu poeta aos 49 anos de idade após decepção como desportista.
Fundador
da Liga Acopiarense de Futebol, onde foi três vezes presidente desta
federação, deixou a bola de lado pelo papel e a caneta. “Fiz um
compromisso com Deus que me mostrasse uma maneira de eu viver. Não pelo
fator dinheiro, mas porque achava difícil me desligar do esporte. Pedi
que me desse uma coisa que pudesse me afastar e que jamais iria me
escandalizar. Viver de forma tranquila”, lembra.
Seu
primeiro poema saiu de suas mãos no dia 10 de setembro de 1998. Desde
então, o poeta não parou mais. No seu blog, contabiliza um a um. O
último marca a contagem de 2.756 poemas.
Eu
tô no meu trabalho ou andando na rua. No ônibus, viajando. Não importa.
Quando a inspiração chega, sinto aquele toque. Então, já pego a caneta e
uma folha de papel. Tenho que aproveitar, porque de repente a
inspiração se afasta e para que ela retorne, às vezes, dá um tempo”
Erivaldo Alencar
Poeta e picolezeiro
Deste
total escrito, 2.240 poemas estão registrados no Escritório de Direitos
Autorais da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro. Algo que faz
questão de fazer para garantir a autenticidade. Outro detalhe é que
Erivaldo não vende seus livros. Quando visita uma escola em alguma
palestra, faz questão de depositá-lo para seu acervo. Por isso, alimenta
um sonho: “Meu maior desejo é viver do meu trabalho e que uma editora
publique minhas poesias no meu nome”, reforça. Hoje, seus cordéis e
livros saem do seu bolso, impressos em uma gráfica na vizinha cidade de
Iguatu, ao custo da sua venda de picolés.
Além
do amor à poesia, ele carrega uma paixão pela literatura. No seu
acervo, possui mais de 5 mil livros, além de jornais e revistas. Soma-se
a isso aparelhos eletrônicos antigos, vinis, CD’s, DVD’s e outros
itens. Todos eles conservados no que batizou de “Museuteca”, que fica na
Rua Coronel José Nunes, 501, no bairro de Farias Brito, em Acopiara.
Por causa da pandemia, a visitação está fechada. O espaço mantém também
do seu bolso, já que paga aluguel. A poucos metros dali, mora com sua
segunda esposa, Socorro. Os filhos continuam em São Paulo.
Reconhecimento
Sua
vizinha, a dona de casa Liduína Martins, conta que não conhecia o
talento de Erivaldo. Sempre o viu como um simples vendedor de picolé até
conhecer seu trabalho. “É uma coisa extraordinária.
A
gente vê a cultura dele. Muito inteligente. Ele tem que ser valorizado.
Precisa ter uma chance. Isso valoriza nossa terra, nossa cultura”,
acredita.
O
talento dele está sendo divulgado em um quadro chamado “Gente que faz”,
da atual gestão Acopiara, que divulga atores da cultura e da história
da cidade em alusão à comemoração do centenário do município, em
setembro desde ano. Erivaldo foi um dos escolhidos. “Dentro das
diretrizes, surgiu a ideia de trabalhar pessoas que constroem a história
de Acopiara através do seu talento, sua arte, seu trabalho. Toda semana
lançamos esses vídeos de profissionais informais, artistas da terra”,
detalha a assessora de comunicação da prefeitura, Rayane Ferreira.
Diante
da dificuldade financeira e da história de superação de muitos destes
artistas, a gestão está os direcionando para secretarias que desenvolvem
políticas públicas. A ideia é ajudar o poeta, por exemplo. “São
políticas que não visam só a visibilidade, mas incrementar a renda
através da gestão”, detalha.