Quatro meses após o primeiro registro de pacientes infectados pelo novo
coronavírus no Estado, a doença se alastrou e já flutuou por todas as
cidades cearenses. O emprego do verbo flutuar justifica-se diante da sua
capacidade de traduzir o perfil nômade do vírus SARS-CoV-2. O primeiro
epicentro da doença foi na Capital cearense. Em seguida, após a curva de
contágio se estabilizar em Fortaleza, as atenções (e preocupações) se
voltaram a Sobral. Agora, os cuidados recaem sobre a região Sul,
sobretudo em Juazeiro do Norte, cidade na qual vive seu momento mais
delicado.
Conforme uma pesquisa do Mesor (Modelagem Estatística, Simulação e
Otimização de Risco) da Universidade Federal do Cariri, feita a pedido
do Sistema Verdes Mares, o pico da doença em Juazeiro deve ser
presenciado nesta semana. O estudo levou em consideração números
consolidados entre o dia 23 de março - data do primeiro registro na
cidade - a 19 de julho, período em que foi realizada a análise.
Os dados foram extraídos da Secretaria da Saúde do Município. O
coordenador do Mesor, Paulo Renato Firmino, explica, porém, que este
cenário pode sofrer mutação a partir da atualização de novos casos.
"É uma projeção feita a partir da análise matemática da curva de
disseminação dos casos registrados. Utilizamos dois métodos, um
tradicional, conhecido pela sigla SIR, e o que propomos, o NCB
[non-central beta]. A variação diária de novos casos pode mudar, adiando
ou até mesmo antecipando essa projeção de pico", detalha. Esse ápice
poderia ocorrer, segundo o Mesor, a partir de hoje (22).
Preocupante
Em números absolutos, o cenário é crítico. Em 23 de abril, um mês após o
primeiro caso confirmado, a cidade chegou a 11 infectados. Um
crescimento tímido. Trinta dias após, este número saltou para 146. Mais
um mês decorrido e o índice de infectados em Juazeiro do Norte já estava
em 1.892. A partir de então a disseminação do vírus ocorreu de forma
rápida, contínua e progressiva. O atual mês de julho tem sido o mais
preocupante.
Foram 4.919 novos casos registrados em apenas 19 dias, o que converge
para uma média diária de 258,8 infectados. Até ontem (21) já eram 8.374
pessoas infectadas pela Covid-19.
Em um intervalo de um mês (21 de julho a 21 de junho), o acréscimo foi
de 407,5%. O número de óbitos também apresentou alta. Em 21 de julho, 59
vidas tinham sido silenciadas em decorrência da doença. Até ontem, eram
182, salto de 208%. O balanço foi feito pelo Núcleo de Dados do SVM.
Com a manutenção da curva, Juazeiro do Norte deve superar Sobral e
alcançar, até a próxima semana, o indigesto posto de segunda cidade
cearense com mais casos do novo coronavírus, hoje ocupado por Sobral,
com 9.600 infectados. Há um mês, a cidade da região Norte tinha 5.421
casos. Neste intervalo, enquanto Juazeiro avançou quase 410%, Sobral
apresentou alta de 77%. O índice revela uma tendência de queda da
disseminação.
A projeção, inclusive, norteou a decisão do Governo do Estado em
permitir que Sobral avançasse para a fase 1 do plano de retomada das
atividades econômicas. A partir de hoje (22) comércios atacadista e
varejista, shoppings e exibição cinematográfica por meio de "drive in"
passam a poder funcionar em Sobral.
Diante deste cenário de alta, é natural que a taxa de ocupação dos
leitos seja acompanhada com mais atenção. A capacidade de atendimento
ofertada pelo município pode representar mais vidas salvas numa
pandemia. Os números, entretam, sugerem cuidado.
Ocupação
Dos 89 leitos de UTI do Hospital Regional do Cariri (HRC), 74 estão
ocupados (83,15%). Já para os leitos de enfermaria, a taxa de ocupação é
de 76%. Os dados são do IntegraSus, plataforma oficial da Secretaria da
Saúde (Sesa) do Estado.
Questionada se o aumento nos casos em Juazeiro do Norte inspira
preocupação e se a rede hospitalar está apta a atender a alta demanda, a
secretária da Saúde, Glauciane Torres, não respondeu até o fechamento
da matéria.
Cenário futuro
A infectologista Mônica Saldanha avalia que há uma relação entre a
quebra das medidas de isolamento e o elevado número de casos. Segundo
explica, quanto maior o contato entre pessoas, maior a chance de
transmissão da doença.
“Embora a Covid-19 possa ser transmitida por aerossol, a principal forma
é através de gotícula e isso só é possível se as pessoas tiveram
aglomeradas”.
Para reduzir essa curva de contágio, Saldanha considera apenas uma
alternativa. “Respeitar o distanciamento e, quem precisar sair de casa,
que faça o uso dos EPIs”.
O professor Paulo Renato, autor do estudo do Mesor, concorda com a
profissional da saúde e acrescenta que os números alarmantes da doença
em Juazeiro estão intimamente ligados a postura da sociedade. “É um
reflexo. A análise estatística é pautada no cotidiano. Sem a
conscientização da sociedade os números não irão declinar e ainda
teremos um prolongamento deste pico, o que representa mais dias sob
altos números diários de contaminação”, explica.
Em uma realidade oposta, onde as medidas de isolamento sejam
respeitadas, a projeção do Mesor é de que a taxa de contágio siga até o
fim de outubro. Ainda conforme a projeção da pesquisa, em 23 de outubro
deste ano, Juazeiro do Norte terá atingido a marca de 19.463 infectados.
A partir de então, entra num processo de decréscimo até chegar a
disseminação zero. “A análise é feita baseada nos números atuais, então
reafirmo que pode ocorrer mudanças”, acrescenta.
A preocupação do analista em uma possível mudança no cenário futuro é
alicerçada nas decisões governamentais adotadas no curso da pandemia.
“Em alguns locais, o comércio foi aberto precocemente, o que ensejou em
uma nova onda de contágio. Aqui no Cariri, em Barbalha, fala-se em
realizar a festa do Pau da Bandeira justamente em outubro. É uma
temeridade e pode acabar acarretando na prorrogação da pandemia”,
avalia. Barbalha e Juazeiro do Norte estão atualmente em ‘lockdown’.