Após o presidente Jair Bolsonaro exonerar o diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo,
em publicação no Diário Oficial da União desta sexta-feira (24).
o ministro da Justiça, Sergio Moro, anunciou um pronunciamento às 11h
desta sexta, no Ministério da Justiça.
Moro foi alertado por aliados no fim da noite passada de que a saída
de Valeixo, escolhido por ele para comandar a PF, poderia ser
oficializada no Diário Oficial desta madrugada, enquanto ainda negocia
com o Palácio do Planalto sua permanência como ministro.
Conforme a Folha revelou, Moro pediu demissão a Bolsonaro na manhã desta quinta (23)
quando foi informado pelo presidente da decisão de trocar Valeixo. O
ministro avisou o presidente que não ficaria no governo com a saída do
diretor-geral. Bolsonaro então escalou ministros militares para
convencer o ex-juiz da Lava Jato a recuar.
Moro não foi avisado
A exoneração foi publicada como "a pedido" de Valdeixo no Diário
Oficial, com as assinaturas eletrônicas de Bolsonaro e Moro. Segundo a
Folha de S.Paulo apurou, porém, o ministro não assinou a medida
formalmente nem foi avisado oficialmente pelo Planalto de sua
publicação.
O nome de Moro foi incluído no ato de exoneração pelo fato de o
diretor da PF ser subordinado a ele. É uma formalidade do Planalto. Além
disso, ao contrário do que informa a medida publicada, Valeixo não
teria "pedido" sua exoneração ao Planalto. Não há substituto no comando
da polícia, por ora, nomeado.
Moro topou largar a carreira de juiz federal, que lhe deu fama de
herói pela condução da Lava Jato, para virar ministro. Ele disse ter
aceitado o convite de Bolsonaro, entre outras coisas, por estar "cansado
de tomar bola nas costas".
Tomou posse com o discurso de que teria total autonomia e com status
de superministro. Desde que assumiu, porém, acumula recuos e derrotas.
Na avaliação de aliados de Moro, Bolsonaro atropelou de vez o
ministro ao ter publicado a demissão de Valeixo durante as discussões
que ainda ocorrem nos bastidores sobre a troca na PF e sua permanência
no governo. Diante desse cenário, crescem as expectativas sobre a saída
do ministro ainda nesta sexta.
Uma solução para sua permanência vem sendo discutida pelos ministros
generais da Casa Civil, Walter Braga Netto, e da Secretaria de Governo,
Luiz Eduardo Ramos. Segundo assessores presidenciais, uma indicação
positiva havia sido dado pelo ministro da Justiça.
Moro havia sinalizado até a noite passada, portanto antes da demissão
de Valeixo ser oficializada, que estava disposto a aceitar um acordo
desde que tivesse a palavra final na sucessão na Polícia Federal. A
dúvida agora é se, com a saída de Valeixo durante as negociações, o
ministro topará continuar no governo.
Um nome que conta com a simpatia do ex-juiz da Lava Jato para dirigir
a PF, segundo aliados do ministro, é o do diretor do Depen
(departamento penitenciário nacional), Fabiano Bordignon.
Já Bolsonaro defende a nomeação para o posto do diretor-geral da Abin
(Agência Brasileira de Inteligência), Alexandre Ramagem, ou do
secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Anderson Torres.
O ministro também tem se mostrado, nos bastidores, insatisfeito com a
condução do combate à pandemia do coronavírus por parte de Bolsonaro.
Moro, por exemplo, atuou a favor de Luiz Henrique Mandetta (ex-titular
da Saúde) na crise com o presidente.
Com esse novo embate, Moro vê cada vez mais distante a possibilidade
de ser indicado pelo presidente para uma vaga no STF (Supremo Tribunal
Federal).
Sobre isso, Moro já respondeu que essa é uma "perspectiva interessante" e que seria como ganhar na loteria.
Pelo critério de aposentadoria compulsória aos 75 anos dos ministros
do Supremo, as próximas vagas serão as de Celso de Mello, em novembro, e
Marco Aurélio Mello, em julho de 2021. A indicação de ministros do
Supremo é uma atribuição do presidente que depois precisa ser aprovada
pelo Senado.
Esse caminho de Moro ao Supremo já estava enfraquecido especialmente
depois da divulgação de mensagens privadas que trocou com procuradores
da Lava Jato.
As mensagens obtidas pelo Intercept e divulgadas até este momento
pelo site e por outros órgãos de imprensa, como a Folha de S.Paulo,
expuseram a proximidade entre Moro e os procuradores da Lava Jato e
colocaram em dúvida a imparcialidade como juiz do atual ministro da
Justiça no julgamento dos processos da operação.
Quando as primeiras mensagens vieram à tona, em 9 de junho, o
Intercept informou que obteve o material de uma fonte anônima, que pediu
sigilo. O pacote inclui mensagens privadas e de grupos da força-tarefa
da Operação Lava Jato em Curitiba, no aplicativo Telegram, a partir de
2015.
Em resumo, no contato com os procuradores, Moro indicou testemunha
que poderia colaborar para a apuração sobre o ex-presidente Lula,
orientou a inclusão de prova contra um réu em denúncia que já havia sido
oferecida pelo Ministério Público Federal, sugeriu alterar a ordem de
fases da operação Lava Jato e antecipou ao menos uma decisão judicial.
Desde que assumiu o cargo, o presidente Bolsonaro ensaiou em mais de
uma oportunidade mudar o comando da Polícia Federal, minando a
influência de Moro sobre a cúpula da corporação. Tentativas de
ingerência se deram com a abertura e o avanço de investigações contra
pessoas do entorno do mandatário.
Fake news e manifestações pró-golpe
O incômodo de Bolsonaro com o trabalho da PF aumentou recentemente
por causa dos inquéritos que apuram um suposto esquema de fake news para
atacar autoridades, entre elas alguns de seus adversários políticos, e
as manifestações pró-golpe militar promovidas por grupos bolsonaristas
–no domingo (19), o presidente participou de uma delas, em Brasília.
Os dois casos, sob relatoria do ministro do STF (Supremo Tribunal
Federal) Alexandre de Moraes, devem ser tocados por uma mesma equipe de
policiais federais, o que desagrada ao presidente.
A apuração sobre fake news, aberta pelo próprio STF, envolve a
suspeita de que filhos de Bolsonaro, entre eles o vereador Carlos
Bolsonaro (Republicanos-RJ) e o deputado federal Eduardo Bolsonaro
(PSL-SP), estejam por trás de um gabinete do ódio supostamente mantido
pelo Palácio do Planalto para atacar desafetos políticos.
Essa hipótese também foi levantada em CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) sobre o caso no Congresso.
Já a investigação sobre os atos antidemocráticos, proibidos pela
Constituição e a Lei de Segurança Nacional, foi aberta a pedido do
procurador-geral da República, Augusto Aras. Ela mira empresários e ao
menos dois deputados federais bolsonaristas por, possivelmente, terem
organizado e financiado os eventos. Os nomes são mantidos em sigilo pela
PGR (Procuradoria-Geral da República).
Um dos primeiros incômodos do presidente com a PF na gestão Moro se
deu no início do mandato, com a instauração de inquérito contra o
ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, para apurar esquema de
candidaturas laranjas do PSL em Minas Gerais, caso revelado pela Folha
de S.Paulo.
Em outubro, o ministro foi denunciado à Justiça sob acusação de
falsidade ideológica eleitoral, apropriação indébita de recurso
eleitoral e associação criminosa.
Apesar do constrangimento gerado pela situação, o presidente manteve o
aliado no cargo. Em mais de uma oportunidade, demonstrou irritação com
as conclusões sobre o caso. Ainda em outubro, ele disse que o
responsável pela investigação na PF "agiu de má-fé", que houve "exagero"
no inquérito e que a intenção não foi atingir o ministro, mas o
presidente da República.
A reação se deu após a Folha de S.Paulo noticiar que um depoimento e
uma planilha obtidos pela Superintendência da PF em Minas sugerem que
recursos do laranjal foram desviados para abastecer, por meio de caixa
dois, a campanha presidencial de Bolsonaro.
Dois meses antes, o presidente havia gerado instabilidade na PF ao
anunciar que trocaria o superintendente do órgão no Rio de Janeiro,
Ricardo Saadi, por questões de gestão e produtividade.
Foi rebatido por uma nota da própria corporação, que informou que a
mudança de comando já vinha sendo debatida internamente e havia sido
solicitada pelo próprio policial, não tendo relação com seu desempenho.
Bolsonaro subiu o tom e declarou que quem dava as ordens na polícia
era ele próprio. "Se ele resolveu mudar, vai ter que falar comigo. Quem
manda sou eu, vou deixar bem claro. Eu dou liberdade para os ministros
todos, mas quem manda sou eu", declarou.
Na ocasião, Moro estava enfraquecido pela divulgação de mensagens que
mostraram sua atuação em parceria com os procuradores em diferentes
processos da Lava Jato e que colocaram em xeque sua atuação como juiz
federal.