Apesar de dizer que pode definir com "uma canetada" o fim do isolamento
social na próxima semana, o presidente Jair Bolsonaro ainda quer fazer
uma última tentativa de articular a retomada das atividades econômicas
com o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF). O esforço, segundo
integrantes do primeiro escalão, é para evitar que ele seja enquadrado
em crime de responsabilidade.
Nos bastidores, o presidente tem repetido que há em curso um plano para
iniciar contra um ele um processo de impeachment e diz que precisa se
cercar de todos os cuidados para não criar o pretexto que os adversários
querem para agir contra ele.
Nesta sexta-feira, em teleconferência promovida pelo jornal Valor Econômico,
o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, negou que um processo de
impedimento esteja na sua pauta e afirmou que agora não é hora de agenda
política "No meu radar só estão medidas para conter crise e salvar
vidas", disse.
"Para abrir comércio, eu posso abrir em uma canetada. Enquanto o
Supremo e o Legislativo não suspenderem os efeitos do meu decreto, o
comércio vai ser aberto. É assim que funciona, na base da lei", disse
Bolsonaro à rádio Jovem Pan, na noite de quinta-feira, 2.
Na mesma entrevista, no entanto, o presidente indicou que precisa do
apoio da população para determinar o fim da quarentena, contrariando
medida restritivas adotadas pelos governos estaduais. Ele justificou que
"gente poderosa em Brasília" espera um "tropeção" dele e, portanto,
precisa do povo ao seu lado.
"O presidente pode muito, mas não pode tudo. Nós temos gente poderosa
em Brasília que espera um tropeção meu. Estou esperando o povo pedir
mais. O que eu tenho de base do apoio são alguns parlamentares, não é a
maioria, mas eu tenho o povo do nosso lado. Eu só tomo certas decisões o
povo estando comigo", respondeu ao ser questionado porque não toma uma
decisão pelo fim do distanciamento social.
Nesta quinta-feira, apoiadores do presidente começaram a convocar
manifestações para o próximo domingo, dia 5 de abril, contra
governadores e prefeitos. Nas redes sociais, a hashatg #NasRuas5deAbril
passou a ser usada pelos bolsonaristas sob o argumento de que querem
voltar ao trabalho.
Bolsonaro disse que alguns governadores querem que ele tome uma decisão
pelo fim do distanciamento social para ele ser responsabilizado. "O que
alguns governadores mais querem que eu tome a decisão para trazer o
problema para o meu colo e dali pra frente qualquer morte que acontecer
começar a me culpar. Essa é minha preocupação no momento", admitiu.
Apesar disso, Bolsonaro afirmou que, na próxima semana, se o isolamento
social não começar a ser flexibilizado, ele tomará uma decisão. "Se na
semana que vem, se não começar a ter uma volta gradativa, vou ter que
tomar uma decisão. E daí, seja - não o que Deus quiser, eu sempre
acreditei em Deus, mas seja o que os brasileiros quiserem."
Como o Estado antecipou, ministros do STF dizem em conversas
reservadas que, se o presidente Bolsonaro levar adiante sua ideia de
reabrir o comércio, a medida será barrada pela Corte. O Estado
apurou que o Supremo não vai autorizar nenhuma ação que confronte as
recomendações das autoridades de saúde do Brasil e do mundo com relação
ao combate do novo coronavírus. Governadores, aliás, confiam na ação do
STF para que a quarentena nos estados não seja derrubada.
No sábado, 28, o presidente recebeu no Palácio da Alvorada o ministro
do STF Gilmar Mendes para discutir a crise do coronavírus e como evitar
uma enxurrada de ações judiciais por disputa entre União, Estados e
municípios. A aproximação com Mendes foi articulada pelos ministros
Jorge Oliveira, da Secretaria-Geral da Presidência, e Rogério Marinho,
do Desenvolvimento Regional. Além deles, participou também o ministro da
Advocacia-Geral da União, André Mendonça.