Após 13 dias de paralisação da Polícia Militar (PM), comissão e militares chegam a acordo e encerram motim. O acerto não prevê anistia,
mas a revisão de cada caso, com aplicação rigorosa do devido processo
legal e sanções aplicadas aos soldados que participaram do movimento.
A proposta foi entregue aos militares pela comissão de representantes
dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário no anexo da Assembleia
Legislativa do Ceará (ALCE), que negociava entendimento entre as partes.
Policiais cruzaram os braços no último dia 19 de
fevereiro em protesto contra a tabela de reajuste salarial que tramitava
na Assembleia Legislativa desde o dia 31 de janeiro. No mesmo dia, ruas de batalhões da PM foram bloqueadas com viaturas.
O que aconteceu no Ceará entre o início do motim da PM e a terceira proposta de acordo
Depois de mais de uma hora e meia de conversa, a
assembleia de policiais militares do 18º Batalhão de Polícia Militar
(BPM), no Antônio Bezerra, resolveu aceitar a proposta da Comissão e
encerrar a greve depois de 13 dias de braços cruzados. A proposta foi
fechada após mais de sete horas de negociação da Comissão de negociação
formada para resolução do problema.
Desde que a paralisação dos policiais militares iniciou
em 18 de fevereiro e encerrada neste 1º de março, o Governo do Ceará já
enviou três propostas formais para realizar acordo que finalize a
ocupação de batalhões. A greve foi iniciada há 13 dias depois que
membros do Governo, reunidos na Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (AL-CE), reafirmaram "honrar" o que havia sido combinado sobre a estruturação das carreiras de segurança pública.
Naquele acordo, firmado com os representantes da
categoria e recusado posteriormente em assembleia, foram acatadas três
das reivindicações de policiais militares e bombeiros: Reajuste ser pago
em três parcelas, em março deste ano, março de 2021 e março de 2022;
primeira parcela ser maior, de 40% do reajuste e as duas posteriores de
30%; além de incorporação das gratificações.
De acordo com o Governo, algumas patentes teriam ganhos
de até 100% até 2022. O salário-base de um soldado, com o aumento
progressivo até 2022, saltaria de R$ 3,2 mil para R$ 4,5 mil. E o
salário da maior patente, de coronel, chegava a R$ 20 mil. A pedida dos
policiais era que o salário aumentasse para os R$ 4,5 mil já em 2020.
Na eminência de uma maior manifestação de policiais, o
Governo do Ceará comunicou que todos os envolvidos nos atos de
reivindicação salarial pelo Ceará serão alvos de Inquérito Policial
Militar (IPM), instaurado de imediato pelos comandos, Processo
Administrativo Disciplinar (PAD) instaurado pela Controladoria Geral de
Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública (CGD). Ainda teriam os
salários cortados no mês seguinte.
O início do motim dos policiais
No dia 19 de fevereiro, mulheres de PMs fecharam a
entrada do 18º Batalhão de Polícia Militar (BPM), no bairro Antônio
Bezerra, e carros oficiais tiveram os pneus esvaziados. Nos atos,
policiais passaram a circular com rostos cobertos por balaclavas.
A partir do primeiro ato em Fortaleza, outros também
foram realizados na própria Capital, na Região Metropolitana e cidades
do Interior. O motim no quartel de Sobral foi o mais notável, já que após confusão o senador e ex-governador Cid Gomes foi baleado, no dia 19.
No mesmo dia 19, o governador do Ceará, Camilo Santana,
havia solicitado apoio de tropas federais para o Ceará. "Aos infratores
que violam a lei e realizam motim, minha determinação é que sejam
submetidos a todas as punições previstas em lei", afirmou o governador.
Primeira recusa dos PMs
No dia seguinte ao episódio em Sobral, os militares
recusaram a proposta do Governo e mantiveram o motim. "Nós vamos
continuar aqui - no quartel - por decisão da maioria da categoria",
anunciou o ex-deputado federal e um dos representantes dos policiais que
estão no 18º BPM, Cabo Sabino.
Até esse momento, mais de 300 inquéritos contra
policiais militares foram instaurados. E as ruas de Fortaleza, Região
Metropolitana e Sobral passaram a ser patrulhadas por policiais da Força
Nacional de Segurança. Além disso, tropas do Exército já estavam de
prontidão depois que o governador do Ceará pediu Garantia da Lei e da
Ordem, aprovada pelo presidente da República, Jair Bolsonaro.
Bolsonaro classificou o cenário cearense como “guerra
urbana” e defendeu a vinda das Forças Armadas para o Estado. "O bicho
vai pegar. Se é para tratar com flor essa galera, não fica enchendo o
nosso saco. Vou pedir para outras instituições cumprir nosso papel".
Sem definição, o Carnaval no Ceará foi feito a partir
do patrulhamento da Polícia Civil, batalhões de policiamento que não
aderiram à greve, Exército e Força Nacional. Isso fez com que mais de
municípios do Interior cancelassem suas programações.
Após o feriadão de Carnaval, na Quarta-Feira de Cinzas,
25, o número de assassinatos entre o início da paralisação até aquele
momento chegava a 170. A média foi de 34 pessoas assassinadas por dia,
mais de uma por hora. Somente na segunda-feira de Carnaval, 24, o número
de Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLIs) chegou a 23.
Na quinta-feira, 26, representantes da comissão formada
por membros do Executivo, Legislativo, Judiciário e Ordem dos Advogados
do Brasil Secção Ceará (OAB-CE) foram ao 18º BPM, que se tornou o
principal ajuntamento dos policiais amotinados. O objetivo era que os
PMs escolhessem representantes para nova negociação com o Governo.
Depois que foram escolhidos Cabo Sabino e Coronel
Walmir Medeiros como representantes dos policiais, a reunião do dia
seguinte, 27, foi apresentada a pauta dos PMs, que incluía anistia
criminal e salário de R$ 4,923 mil para soldados. O reajuste seria
parcelado em três vezes, com o pagamento do maior percentual já no mês
de março.
Prorrogação da GLO e PEC contra anistia
Depois que a GLO foi prorrogada pelo presidente
Bolsonaro por mais uma semana, com a condição de que o Governo do Ceará
resolvesse a questão até lá, o governador Camilo Santana enviou à AL-CE
uma Proposta de Emenda à Constituição vetando anistia a PMs. A votação
ocorreu no fim de semana e projeto deve ser novamente discutido em
plenário na terça-feira, 3, após pedido de vista.
Mas foi deixado claro pelo Governo e pelos aliados na
AL-CE: concessão de anistia aos policiais amotinados está fora de
cogitação. “É preciso que se reafirme que não haverá anistia para esse tipo que não é policial militar, é amotinado, é bandido”, declarou o presidente da Assembleia, José Sarto (PDT).
No mesmo dia o Governo vetou o nome de Cabo Sabino como
um dos intermediadores para o acordo, sob a justificativa de o
ex-deputado ter mandado de prisão em aberto. Em resposta, os policiais
apresentaram nova contraproposta de acordo, com apenas três itens em que
ainda constava o pedido de anistia.
Em meio à paralisação, fevereiro era encerrado como o mês mais violento no Ceará desde setembro de 2018.
PMs aceitam proposta
Reunidos mais uma vez neste domingo, 1º, os membros da
comissão de negociação definiram mais uma proposta de acordo para a
categoria, a terceira enviada ao 18º BPM.
A proposta foi fechada após mais de sete horas de
negociação. Entre os presentes à rodada, estavam o procurador-geral de
Justiça do Ceará, Manuel Pinheiro; o procurador-geral do Estado,
Juvêncio Viana; o deputado estadual Evandro Leitão; o desembargador
Teodoro Silva Santos; o presidente da OAB-CE, Erinaldo Dantas; o
deputado estadual Soldado Noélio; o vereador Sargento Reginauro; a
defensora-geral Elizabeth Chagas; o procurador da República no Ceará
Oscar Costa Filho; além de representantes do Exército e da Força
Nacional.
Depois de mais de uma hora e meia de negociação, a
assembleia de policiais militares amotinados resolveu aceitar a
proposta do Governo do Ceará e encerrar a greve depois de 13 dias de
braços cruzados. O acordo não prevê anistia, mas inclui abrandamento de
sanções aplicadas aos soldados que participaram do movimento.