segunda-feira, 30 de março de 2020

Na Europa, critério para calcular mortes por Covid-19 varia conforme país (e nenhum está certo)

Pavilhão em Madri usado para atender doentes do coronavírus.
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Boatos como estes se multiplicam nos últimos dias nas redes sociais: “Alemanha e Holanda estão escondendo cadáveres embaixo do tapete”; “no Reino Unido, pede-se autorização dos familiares de um falecido por coronavírus para decidir se ele será incluído na contagem oficial”. E circulam muitos outros depois das críticas da Holanda à Espanha, da polêmica dos coronabônus (discussão sobre ajuda econômica na União Europeia) e da estupefação com a baixa taxa de letalidade da doença na Alemanha, para a qual os cientistas ainda não têm uma explicação clara (embora apontem para o elevado número de exames realizados).

Os especialistas em epidemiologia alertam que não estão sendo contabilizadas corretamente todas as mortes pelo coronavírus. E isso é algo que une todos os países. A polêmica na França se centra nos casos que não entram na estatística: todos os falecimentos fora dos hospitais. Na Espanha, segundo secretários regionais de Saúde, tampouco são contabilizadas as pessoas que falecem em residências para idosos ou em domicílios sem terem feito o exame diagnóstico.

Essas diferenças, somadas às dificuldades de cada país para desenhar um panorama preciso, fazem as taxas de letalidade não sejam confiáveis. Com o problema agregado de que, quando se diagnostica uma parte muito pequena dos contágios reais (como está acontecendo na Espanha e no Brasil por falta de capacidade para fazer exames), a percentagem de mortos sobre o total de infectados sai mais alto. “Posteriormente, poderemos fazer uma aproximação mais ou menos exata, mas sempre uma aproximação”, diz Ildefonso Hernández, porta-voz da Sociedade Espanhola de Saúde Pública (Sespas).

A Itália inclui no registro de vítimas de coronavírus todos os pacientes que deram resultado positivo nos testes e que morreram, independentemente dos demais aspectos de seu histórico clínico, seguindo o critério do Instituto Superior de Saúde. Essa entidade se ocupa, a posteriori, de fazer um estudo epidemiológico para aprofundar as causas da morte dos pacientes com Covid-19 e publica um relatório duas vezes por semana onde informa se estas pessoas sofriam de outras enfermidades.

O diretor de Proteção Civil, Angello Borrelli, encarregado de comunicar as cifras oficiais, frequentemente observa que se trata de “falecidos com coronavírus e não por coronavírus”, até que se aprofunde nos históricos clínicos. A maior parte da comunidade científica supõe que a falta de mais testes de detecção —desde a origem do surto até 28 de março foram feitos 429.526— os números reais, tanto de contagiados como de mortos, podem ser muito superiores às cifras oficiais.

Até o surgimento da epidemia do coronavírus, no Reino Unido, quando um paciente falecia no hospital por infecção respiratória, não se registrava a causa direta dessa infecção, a não ser que fosse uma “doença de notificação obrigatória” por lei. Por exemplo, botulismo, malária e tuberculose. O boletim médico indicava apenas uma broncopneumonia, pneumonia, idade avançada ou uma designação similar. Desde 5 de março, a Covid-19 foi incluída na lista de notificação obrigatória. Não se registra, entretanto, a gripe sazonal.

Até o momento, a maioria dos testes é feita nos hospitais, onde há um alto número de pacientes suscetíveis aos efeitos de qualquer infecção, ou em pessoas que apresentavam um quadro de sintomas suficientemente graves para que fosse feito um exame. Por isso as autoridades sanitárias britânicas alertaram, quando a cifra de casos positivos rondava 500, que a realidade podia se aproximar mais dos 5.000 ou 10.000 contagiados. A taxa de mortalidade do Reino Unido, que atualmente se situa em 6%, seria na verdade muito menor, apontam vários especialistas.

Desde que a epidemia começou, na França apenas os mortos no meio hospitalar são contabilizados, ou seja, recolhendo os dados diários procedentes dos 600 hospitais e clínicas do país “suscetíveis de receberem pacientes da Covid-19”. Embora a mortalidade seja mais alta entre as pessoas de idade mais elevada (86% dos mortos na França têm 70 anos ou mais), a estatística oficial não inclui os idosos mortos em seus domicílios nem, sobretudo, nas 7.000 residências que acolhem mais de 700.000 pessoas.
Ocorre o mesmo na Espanha, onde pelo menos 352 pessoas haviam morrido nas casas para idosos até a quinta-feira passada, segundo uma recontagem do EL PAÍS. O Ministério da Saúde não oferece cifras. Desde que mortes maciças começaram a ser denunciadas nesses centros na França, o Governo de Emmanuel Macron adotou uma nova posição e anunciou que, a partir desta semana, fará “um acompanhamento diário da mortalidade” nos asilos.

Na Alemanha, com uma taxa de mortalidade de 0,72%, houve certa polêmica porque os dados fornecidos diariamente pelo Instituto Robert Koch (RKI) estão atrasados em relação aos oferecidos pela Universidade Johns Hopkins, que reúne informações de todo o mundo. São similares, mas o RKI demora para validá-los depois de serem enviados pelos Estados. O RKI explica ao EL PAÍS que “todas as mortes relacionadas à enfermidade Covid-19 foram registradas nos dados de notificação: tanto as pessoas que morreram diretamente pela doença como os pacientes com enfermidades subjacentes infectados e para os quais não é possível provar claramente qual foi em última instância a causa da morte”. Se houver suspeita, acrescenta o instituto, “podem ser examinados post mortem”, mas não esclarece se todos os suspeitos passam por autópsia.

A França, como a Espanha, monitora a sobremortalidade. Os dados do seu Instituto Nacional de Estatística mostram que no principal foco, o leste da França, ela chega este mês a 37,8%. Na Espanha, o último relatório do Instituto de Saúde Carlos III aponta que o excesso de mortes em relação à série histórica entre 21 e 25 de março foi de quase 17%. Mas ainda não há cifras separadas por causa de morte.

Na Holanda, o exame do coronavírus é reservado a pacientes hospitalizados. O organismo oficial que se encarrega da contagem oferece cifras de mortes, contágios e altas hospitalares e afirma que o cômputo real pode ser mais alto, porque estes são apenas os casos comprovados.


Com informação de Rafa de Miguel, Enrique Müller, Lorena Pacho, Silvia Ayuso e Isabel Ferrer.
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