A Assembleia Legislativa do Ceará foi palco,
ontem, de um episódio de agressão verbal entre dois deputados, movidos
por disputa de poder e ataques eleitorais, em discursos no plenário da
Casa. Osmar Baquit (PDT) e Leonardo Araújo (MDB) usaram termos como "vagabundo", "comprador de voto" e "garganta de aluguel",
com dedos em riste, em cima da Mesa Diretora, separados apenas pelo
então presidente da sessão, deputado Fernando Santana (PT). A cena
reacende o alerta sobre o decoro parlamentar e o uso da Tribuna como
"palanque paroquial", especialmente em ano de eleições municipais.
No Legislativo Estadual, há deputados representantes diretos de
disputas em, pelo menos, oito grandes municípios cearenses, como Tauá,
Iguatu, Maracanaú e Juazeiro do Norte. A discussão de ontem entre os
deputados teve como base a disputa por colégios eleitorais no Sertão dos
Inhamuns, território político do ex-vice-governador Domingos Filho, do
deputado federal Domingos Neto, filho dele, e da deputada estadual
Patrícia Aguiar, a mãe, todos do PSD.
Ao usar a Tribuna, Leonardo Araújo acusou Domingos Neto de fazer
"barganha" na queda de braço entre Congresso e Executivo, no controle
dos R$ 30 bilhões do Orçamento impositivo. Ele imputou ainda ao grupo
político do PSD a prática de "chantagem" e "pressão" na distribuição de
emendas para municípios cearenses. "84 municípios ficaram sem ver de
longe qualquer recurso. (...) Os critérios foram compromisso para voto
de deputado federal, para buscar esvaziar colégios de deputados
estaduais (...) de ameaça de filiação a um partido, o PSD", disse Araújo
durante a sessão.
Reação
A deputada Patrícia Aguiar pediu direito de resposta para rebater as
acusações, as quais chamou de "constrangimentos" e "agressões pessoais".
"São agressões por pura disputa. É normal que qualquer partido queira
crescer, nenhum outro partido vem aqui se queixar, PDT, PT... Só vem do
lado do deputado Leonardo Araújo que, agora, mais uma vez, nos agride",
disse.
"Tenho muito orgulho de ser esposa de Domingos Filho, uma pessoa
séria, correta, justa, corajosa, um grande presidente desta Casa,
vice-governador. Nunca ninguém viu na história desse Parlamento dessas
discussões. (...) Tenho muito orgulho de ser mãe de Domingos Neto, não
tem nada que desabone sua conduta", acrescentou. A reportagem tentou
contato com o deputado Domingos Neto, mas não teve retorno até o
fechamento desta matéria.
O clima saiu do controle após Osmar Baquit usar a tribuna para
defender o grupo político do PSD. "Você quer colocar relator numa
situação complicada. Relator é prestígio no Ceará. (...) Será que
Leonardo teria os votos que teve se não fosse a ajuda de emendas do
senador (Eunício Oliveira, do MDB, não reeleito)?", disse o pedetista.
Ele pontuou ainda que se solidarizava com Patrícia Aguiar porque "não
é fácil sentar nesta Casa e ouvir o que a senhora escuta. Não conheço
ninguém nesta Casa, com exceção do Leonardo, que fale mal da senhora.
Fique tranquila porque, no fundo, há sentimento de querer ser o Domingos
Neto, de querer ter a força política que o Domingos Filho tem", falou
Baquit.
Neste momento, os deputados ameaçaram trocar agressões físicas e
precisaram ser contidos por outros presentes. Baquit chamou Araújo de
"moleque, comprador de voto, vagabundo". "Você grita com mulher, comigo
não", disse o pedetista. Do lado oposto, apontando o dedo contra o
adversário, Araújo negou ter ofendido Patrícia Aguiar, chamou Baquit de
"garganta de aluguel" e o acusou de ter ido "vender o TCM" na casa da
deputada estadual, fazendo menção à extinção do Tribunal de Contas dos
Municípios, em 2017, do qual Domingos Filho foi o último presidente.
Decoro
O episódio, apesar de romper com os preceitos de decoro da Casa, não
deve resultar em punições aos parlamentares. Após o bate-boca, o
presidente da Assembleia, José Sarto (PDT), entrou em campo para
repreender as condutas dos dois deputados. Na sala da Presidência, os
dois se retrataram da troca de agressões.
Na ocasião, Sarto reafirmou apelo para que, com a proximidade das
eleições, debates não sejam levados para trocas de ofensas pessoais. No
início dos trabalhos deste ano, em fevereiro, o presidente já havia
pedido aos deputados para evitarem que debates eleitorais dominassem a
Assembleia ao longo de 2020: "Todos são responsáveis para não usarem a
tribuna como um palanque paroquial", disse, à época. Ontem, o presidente
também comunicou, por meio de nota, que o tema será pauta da próxima
reunião do Colégio de Líderes.
O vice-presidente da Casa, Fernando Santana, que ficou no meio do
bate-boca, disse que, do que viu, a solução se dá através do diálogo. "O
que eles falaram não foi nos microfones do plenário. Precisamos estudar
o Regimento e ver as provocações que cada um fará. Se no Regimento
couber alguma questão, a Casa irá se manifestar", pontuou.
Repercussão
A situação gerou críticas entre os deputados. "Não é só questão de
confundir (as atividades da Casa e a disputa eleitoral). Nós temos que
respeitar o Parlamento. Há posturas de parlamentares que não condizem
com a Casa. Eu mesma tenho adversário político na Casa. Tem que deixar a
época eleitoral para ser discutida em seu município", destacou a
deputada Fernanda Pessoa (PSDB) que, em Maracanaú, disputa votos com o
líder do Governo, o deputado Júlio César Filho (Cidadania).
"Esse tipo de debate não é apropriado para o plenário da Casa. É um
debate que você pode fazer no seu gabinete, fora da Assembleia, nos seus
municípios", frisou Fernando Santana. "Os deputados, aqui, ou serão
candidatos a prefeitos nas regiões ou vão acompanhar candidatos que vão
disputar. Não acho apropriado o debate acalorado, a ponto de serem
usadas palavras de baixo calão e agressões verbais um ao outro. Somos
colegas, precisamos nos respeitar".
O Regimento Interno da Casa
O que prevê?
O artigo 121 do Regimento Interno prevê, como dever dodeputado,
“manter o decoro parlamentar e preservar a imagem da
Assembleia Legislativa”. O descumprimento pode sofrer penalidades que
vão da censura à perda de mandato.
O que pode ser quebra de decoro?
Usar em discurso ou projeto expressões que configurem crimes contra a honra ou que incitem à prática de crimes.
Quais as consequências?