Ao fim de uma das semanas mais tensas desde que tomou posse, o
presidente Jair Bolsonaro tentou emplacar uma narrativa própria durante a
transmissão de sua live semanal.
Por esta versão, ele não jogou gasolina na fogueira armada por seus
apoiadores mais radicais ao compartilhar no WhatsApp um vídeo chamando
para o protesto do dia 15 contra o Congresso. “Não existe qualquer
crítica a eles. Agora, eu tenho que dar uma satisfação porque, na ponta
da linha, o povo cobra muito mais de mim do que do Legislativo e do
Judiciário.”
Ainda assim, deixou nas entrelinhas a bronca. Bolsonaro disse que
gostaria de fazer muita coisa pelo Brasil, mas que está há seis meses
com um projeto de lei parado na Câmara para que a validade da carteira
de motorista passe de cinco para dez anos. “Mas não vai pra frente”,
lamentou, como se a queda vigorosa do índice de desemprego, o
crescimento da economia, a queda do dólar, do desmatamento e do déficit
de saneamento e moradia dependessem da aprovação daquele projeto.
Bolsonaro se queixa da agenda própria de um Congresso onde jamais se
esforçou para ter maioria. Pelo contrário: ao tomar partido dos filhos,
foi ele mesmo quem implodiu as bases de apoio da legenda pela qual se
elegeu, o PSL.
Essas bases mal haviam sido alicerçadas quando o capitão rifou, em
outubro, a sua líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann (PSL-SP),
após a deputada assinar uma lista em apoio à manutenção do Delegado
Waldir (PSL-GO) na liderança da legenda na Câmara.
O próprio presidente entrou em campo para articular a destituição do
ex-aliado, provocando um racha que jamais foi desfeito. Desde então,
Bolsonaro assumiu como prioridade a criação de um partido próprio, que
tem no culto à sua personalidade a única senha de entrada.
Em sua live, o presidente não citou nenhum projeto da agenda
econômica encabeçada por Paulo Guedes como prioridade a ser votada no
Congresso. Sabe que, em ano eleitoral, há pontos ali que podem avariar
sua imagem junto ao eleitorado.
De bobo, não tem nada, mas é assim que quer se passar dizendo que
costuma enviar “sem filtro” mensagens particulares em um grupo restrito e
que se houve tensão entre os Poderes a culpa, claro, é da “imprensa
podre que nós temos aí”.
O presidente voltou a usar o cargo para pressionar empresários que
ainda anunciam nos veículos não-alinhados ao bolsonarismo. “Vou ter uma
reunião na Fiesp em São Paulo, agora no comecinho do mês. Vou falar com o
empresariado lá, esse assunto vai voltar à tona. E o que eu vou falar
para o empresariado lá? Que esses jornais, essas revistas, revista
‘Época’, jornal ‘Folha de S.Paulo’, não anunciem lá, um jornal que só
mente o tempo todo, trabalha contra o governo. E se o governo der
errado, toda a economia do Brasil vai sofrer. Você não pode dar dinheiro
para uma mídia que mente o tempo todo. Quando você anuncia numa ‘Folha
de S.Paulo’ você está ajudando o Brasil a afundar”, disse o presidente,
atrelando seu sucesso ao sucesso do Brasil -- uma versão particular de
Luís 15, rei da França e símbolo do poder absoluto: “Depois de mim, o
dilúvio”.
Detalhe é que Bolsonaro tentou
desmentir o apoio à manifestação contra o Congresso dizendo que o vídeo
repassado se referia, na verdade, a uma mobilização de 2015, antes do
impeachment de Dilma Rousseff. Faltou explicar como o vídeo de 2015 já
trazia a imagem da facada que sofreria em campanha para presidente em
2018.