Depois de provocar uma grave epidemia que
resultou no nascimento de milhares de bebês com microcefalia, o vírus da
zika vem revelando um aspecto tão inesperado quanto positivo: a
capacidade de destruir tumores cancerígenos. Um novo estudo publicado na
Scientific Reports por pesquisadores da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp) constatou que o vírus é capaz de inibir a
proliferação de células do câncer de próstata em pelo menos 50%.
Não foi o primeiro estudo a constatar essa vocação benigna do vírus. O
mesmo grupo da Unicamp, liderado por Rodrigo Ramos Catharino, já havia
demonstrado que o patógeno também é eficaz no combate a tumores no
cérebro. O grupo de especialistas está estudando o uso do vírus contra
outros tipos de tumores malignos e espera que, em cinco anos, já tenha
alguma terapia disponível para o público.
No trabalho mais recente, publicado ontem, os cientistas da Unicamp
usaram células de adenocarcinoma de próstata. Eles constataram que,
mesmo depois de ser inativado, o vírus consegue inibir a replicação das
células. Os experimentos foram feitos com uma linhagem viral obtida a
partir de amostras isoladas de um paciente infectado no Ceará, em 2015.
Depois de cultivado em laboratório, o vírus foi aquecido a uma
temperatura de 56º C durante uma hora para que o seu potencial de causar
uma infecção fosse inibido.
"Na versão 'selvagem' (sem passar por inativação), o vírus poderia
trazer efeitos indesejáveis e, portanto, não poderia ser usado como
terapia", explicou Catharino, professor da Faculdade de Ciências
Farmacêuticas da Unicamp e coordenador do Laboratório Innovare de
Biomarcadores.
O passo seguinte foi colocar uma cultura de células tumorais em
contato com o vírus inativado. Após períodos de 24 e 48 horas, os
cientistas compararam essa solução a um outro grupo de células
cancerígenas que não tinham sido expostas ao vírus. Na análise feita
após dois dias, a linhagem que ficou em contato com o vírus inativado
apresentou um crescimento 50% menor do que a linhagem de controle. "Há
redução real na atividade das células do tumor em mais ou menos 50%, o
que já é excelente", disse o especialista. "Vemos, no futuro, uma
terapia promissora."
O trabalho foi feito pela estudante de doutorado Jeany Delafiori com a
colaboração do doutorando Carlos Fernando Odir Rodrigues e com apoio da
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). A linha
de pesquisa do grupo teve início há cerca de quatro anos, quando foi
descoberta a relação entre a epidemia de zika e o aumento dos casos de
microcefalia no País. Depois que estudos confirmaram que o vírus era
capaz de infectar as células neurais dos embriões, Catharino resolveu
testá-lo em linhagens de glioblastoma - o tipo mais comum e agressivo de
câncer do sistema nervoso central. A redução, no caso, foi de 40%.
"O próximo passo da investigação envolve testes em animais", contou
Catharino. "Caso os resultados sejam positivos, pretendemos buscar
parcerias com empresas para viabilizar os ensaios clínicos."
Casos
De acordo com o Instituto Nacional do Câncer (Inca), 60 mil novos
casos de câncer de próstata são registrados todos os anos no País.
Trata-se do segundo tipo mais incidente entre os homens atrás apenas do
câncer de pele. O novembro azul é uma campanha internacional que visa a
chamar a atenção para a prevenção e o diagnóstico precoce da doença.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.