Ao longo dos últimos 18 meses, o PT, partido que
governou o país por 14 anos, adotou pauta única e exclusiva: "Lula
Livre". A mensagem foi espalhada com relativo sucesso nas Américas e
obteve endosso em figuras tão diversas quanto o presidente recém-eleito
na Argentina, Alberto Fernández, e o pré-candidato democrata americano
Bernie Sanders.
Nesta semana, no entanto, a sigla pode estar mais perto
do que jamais esteve da libertação do ex-presidente. E na iminência de
ter de definir o que fará quando o ex-presidente deixar a carceragem da
Polícia Federal em Curitiba (PR).
"Desde que o Lula foi preso, o PT saiu do debate
nacional. Não apresentou nenhum projeto próprio em relação às reformas,
não se comportou como um partido que ganhou quatro eleições, que conhece
o país e seus problemas. A agenda se resumiu a ficar na trincheira,
fazendo o enfrentamento da prisão de Lula e nada mais. Agora será
forçado a voltar à mesa e fazer política", critica um quadro do partido e
ex-ministro da gestão Dilma Rousseff.
Solto, sim; livre, não
Preso pelo caso do tríplex no âmbito da Operação Lava
Jato, Lula já recebeu sentença condenatória no Superior Tribunal de
Justiça e começou a cumprir pena após a decisão em segunda instância.
No entanto, nesta quinta-feira, (7/11), o Supremo
Tribunal Federal retomará a discussão que pode mudar o entendimento
anterior da corte e determinar que o cumprimento de pena só possa ser
iniciado após o fim da possibilidade de apelação do réu.
Lula é potencial beneficiário do resultado do julgamento
desta quinta, ao lado de cerca de 5 mil presos, que também iniciaram
cumprimento da sentença após julgamento em segunda instância. Se o
entendimento dos ministros mudar, o ex-presidente será solto até que o
próprio STF avalie se ele deve ou não ser condenado no processo em que é
acusado de ter recebido um apartamento tríplex em troca de benesses à
construtora OAS, como decidido pelas três instâncias anteriores.
Vários petistas ouvidos pela reportagem, no entanto,
qualificam o julgamento desta quinta como uma "armadilha", já que
liberaria o ex-presidente da prisão, arrefecendo a pressão política
sobre as instituições, mas não restituiria seus direitos políticos nem
daria a ele o atestado de inocência que, reiteradas vezes, ele afirmou
desejar.
"Na prática, se soltarem, soltam o Lula com uma faca no
pescoço. Quando acharem conveniente, prendem de novo e garantem que ele
não pode ser candidato", opina um dirigente paulista da sigla.
Por não trazer os dividendos políticos desejados por
Lula, o julgamento tem mobilizado baixas expectativas dos próprios
correligionários.
Lula preso
Existe ainda, entre os petistas, a percepção de que o
ministro Dias Toffoli, presidente da Corte, deve tentar uma modulação na
decisão do STF: em vez de exigir que o cumprimento da pena se inicie
apenas após trânsito em julgado, ele deve propor aos colegas que aceitem
que o julgamento no STJ, a terceira instância, já seja suficiente para
determinar início do cumprimento de pena. Se essa tese prevalecer, Lula
sequer chegaria a ser solto, já que o STJ já o condenou no caso Tríplex.
"O julgamento que interessa ao presidente Lula é o
habeas corpus de suspeição contra Sergio Moro, que pode anular essa
sentença. O Supremo deve fazer esse julgamento ainda em novembro. A
prisão de Lula é política e sabemos que demanda uma solução também
política", afirmou à BBC News Brasil a presidente da legenda, deputada
Gleisi Hoffmann.
Gleisi se refere a uma petição da defesa do
ex-presidente que argumenta que o então juiz federal Sergio Moro, hoje
ministro da Justiça no governo Bolsonaro, não tinha isenção ou
neutralidade para julgar o petista.
Embora seja anterior à divulgação das mensagens trocadas
por Moro e os procuradores do caso pelo site The Intercept, o habeas
corpus incluiu essas novas informações e a defesa do petista acredita
que a mudança de clima sobre a Lava Jato promovida pelas diversas
reportagens sobre o material hackeado pode levar os ministros a anular o
trabalho de Moro.
Não seria inédito. No mês passado, os juízes anularam
sentenças da Lava Jato depois de concluírem que Moro não deu a palavra
final à defesa do réu ao ouvir junto aos acusados as considerações de
delatores.
Se aceitar os argumentos da defesa de Lula agora, o STF
anularia a sentença, o processo retornaria para a primeira instância e
Lula voltaria à condição de ficha limpa, tendo inclusive direito a se
candidatar, se desejar.
Lula com foco em 2020
Se o caminho para sair da prisão parece acidentado, não
há muitas dúvidas sobre o que Lula fará se sair da cadeia. Bem de saúde
e, de acordo com aliados que o visitam com frequência, mais disposto do
que nunca a fazer política, ele deve percorrer o país em viagens em
formato semelhante às caravanas da cidadania que ele vinha fazendo antes
de ser preso.
"Lula sabe que precisa reencontrar seu eleitor, mostrar
que está de volta, para impedir o crescimento do próprio (presidente
Jair) Bolsonaro em faixas da população que Lula, muito mais do que o PT,
conquistou", afirma o cientista político Alberto Carlos de Almeida.
Para Almeida, Lula tem um objetivo muito claro que o
empurrará para uma atividade política intensa: o sucesso eleitoral do PT
nas eleições municipais de 2020. O pleito de 2016 foi provavelmente o
pior para o partido desde que os petistas chegaram ao Palácio do
Planalto. O PT sofreu derrota acachapante — perdeu metade das
prefeituras que governava. Pior, foi praticamente varrido de seu
principal reduto eleitoral, a região metropolitana de São Paulo. Dos 39
municípios da área, o PT tinha 9 prefeitos em 2012. Em 2016, reelegeu
apenas um mandatário.
Em 2020, Lula e Bolsonaro podem se enfrentar diretamente
como cabos eleitorais. É a primeira disputa em que valerá a proibição
de coligação para cargo proporcional. Logo, os partidos vão depender
muito de voto de legenda e de candidatos majoritários capazes de atrair
atenção para os candidatos a vereadores de suas siglas.
O PT pretende lançar o maior número possível de
candidatos próprios às mais de 5 mil prefeituras do país. Seleciona com
cuidado quem pode ser mais competitivo nas disputas. Estaria aí a chave
para entender um comentário feito por Lula sobre a ex-prefeita Marta
Suplicy, que deixou o partido em 2015 e votou a favor do impeachment da
ex-presidente Dilma Rousseff.
"Se a Marta quiser, deve voltar (ao PT), ela tem relação
com todo mundo e ainda continua sendo a prefeita mais bem avaliada de
São Paulo", disse Lula, em entrevista ao UOL.
"Ele quer entrar na eleição do ano que vem com força
total, é pragmático. Essa coisa de ficar denunciando o golpe se faz no
discurso, mas a linha de ação política de Lula é outra", opina Almeida.
Frente ampla ou política de confronto?
A declaração de Lula quanto à Marta causou reações
dentro do PT. O partido conhece e já se beneficiou do estilo conciliador
de Lula — eleito em 2002 com uma roupagem apelidada de "Lulinha Paz e
Amor", com diálogo aberto com banqueiros e empresários, além de
políticos da centro-direita.
Parte dos petistas acredita que o momento demanda a
construção de uma ampla frente democrática — em que, eventualmente, se
sente para conversar inclusive com quem, como Marta, ajudou a derrubar
Dilma — e outra parte sustenta que é momento de radicalizar o tom à
esquerda e adotar ações de "confronto e ruptura", como define Valter
Pomar, ex-secretário de relações internacionais do PT.
"Há
setores que defendem uma aliança com a centro-direita ultraliberal, em
nome de derrotar a extrema-direita liberticida. O problema desta aliança
é triplo: por um lado a esquerda teria que reduzir sua oposição ao
ultraliberalismo; por outro lado, a esquerda teria que esquecer que foi a
centro-direita quem deu o golpe contra a Dilma e endossou a condenação e
prisão de Lula, além de ajudar a criar e eleger Bolsonaro; o terceiro
problema é que por este caminho não derrotaremos a extrema-direita",
argumenta Pomar.
Um ex-ministro petista rebate: "Lula consegue abrir
diálogo até com o Centrão. Mas, para isso, o PT tem que mudar de
discurso. O Brasil precisa de um líder que pacifique o país, precisa do
Lulinha Paz e Amor. Não pode fazer o jogo do sectarismo. Toda vez que a
gente vai bater boca na internet, quem ganha é o Bolsonaro".
Não há qualquer consenso no partido sobre o possível
escopo de uma frente ampla democrática. A BBC News Brasil ouviu 5
deputados e senadores da legenda e colheu com cada um uma opinião
diversa sobre o tema: "uma frente ampla democrática não pode ser só com a
esquerda", disse um deputado.
"A frente ampla é necessária, mas tem que ser de
enfrentamento, não dá pra fazer política de conciliação com golpistas e
neoliberais", diz outro. "Uma coisa é o discurso, denunciar
barbaridades, mas coligação temos que fazer com o maior número possível.
Não vamos deixar de chamar de 'golpe', mas vamos continuar fazendo
aliança com quem apoiou o golpe", diz um senador.
"Queremos uma frente ampla com todos aqueles que se opõe
a uma pauta neoliberal do governo e que defendem a democracia", define
Gleisi.
A disputa sobre qual caminho seguir deve ser a tônica do
Congresso do PT, que acontece em São Paulo, no dia 24 deste mês, e vai
definir os rumos da legenda. O humor de Lula ao deixar a carceragem da
PF deve ter peso preponderante sobre essa decisão.