O jovem que furtou de um mercadinho na cidade de Iguatu na última
terça-feira 25 salgados e um pacote de massa de pastel no valor de dez
reais para alimentar a esposa e uma filhinha de um ano e um mês já está
trabalhando em uma empresa do ramo de material de construção. A família
recebeu cestas básicas doadas por policiais civis e militares, moradores
e pela empresa.
O caso que obteve ampla repercussão entre os moradores e nas redes sociais teve um final feliz.
A gerente da empresa que empregou o jovem pediu para não ser
identificada, mas ressaltou que diante do caso era preciso ter ação
concreta de solidariedade. “Temos ação social e doamos mais cesta básica
e demos a oportunidade de trabalho para ele”, explicou. “Quem é humano,
tem sensibilidade, fica comovido com essa história”.
O jovem chegou a ser levado para a Delegacia de Polícia Civil de
Iguatu, por uma patrulha da Polícia Militar, mas ao ser interrogado
contou que estava sem trabalho há três semanas e que na casa dele, a
mulher e a filha não tinham o que comer.
Policiais civis e militares foram à casa do suspeito e só encontraram
água na geladeira. “Vimos uma situação muito triste”, contou o delegado Gláuber Ferreira. “Então fizemos uma cota, compramos uma cesta básica que foi doada à família. Vi a situação e fiquei emocionado”.
O delegado foi além. Aplicou o princípio da
insignificância (bagatela) –que é reconhecido pela doutrina jurídica –
com base no valor do bem furtado e em outros critérios. E decidiu
liberar o suspeito. “Foi feito um boletim de ocorrência com a narrativa
do fato e deixei de instaurar o procedimento de inquérito policial”,
explicou. “Acho que devemos fazer justiça social e muitas vezes somos
criticados por alguns que entendem que quem vai para delegacia é só para
sofrer”.
Teses divergentes
O delegado Gláuber Ferreira justificou em dez laudas a decisão de
aplicar o princípio da insignificância. “Observei o caso concreto e
verifiquei que existem requisitos objetivos, não só pelo baixo valor,
dez reais, do bem furtado”, explicou. “Há o mínimo de ofensividade da
conduta, ausência de periculosidade, redução do grau de reprovabilidade
do comportamento e inexpressividade da lesão”.
A decisão do delegado foi encaminhada para avaliação do Ministério Público.
Além de observar a tese da insignificância, o delegado associou um outro princípio, o da dignidade humana.
A aplicação do princípio da insignificância para a maioria dos delegados deveria ser feita apenas pelo juiz, quando do julgamento do caso, segundo a legislação penal. Portanto, não caberia ao delegado a decisão.
O tema apresenta divergências entre advogados, juízes, promotores, delegados e estudiosos do Direito.
O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de que cabe somente ao Poder Judiciário a aplicação do princípio da insignificância, de acordo com o caso concreto.
Já o ministro Celso de Melo, do STF, em julgamento, defendeu que
“delegado de polícia é o primeiro garantidor da legalidade e da
justiça”, isto é, dos direitos fundamentais do cidadão.
O tema é divergente. Para alguns, o delegado deve ser aplaudido, pois
se não há fato típico não pode haver punição, mas outros entendem que o
delegado deve manter a prisão em flagrante.
Gláuber Ferreira rebate: “O Código Penal é arcaico, de 1940,
temos uma Constituição Federal de 1988 cidadã, moderna, e entendo que os
delegados podem agir da forma que fiz. Não iria mover toda uma máquina
estatal por um caso desse”.