sexta-feira, 6 de abril de 2018

O que leva alguém a comemorar a prisão de Lula?





Por Matheus Pichonelli
Os fogos começaram a estourar mais cedo perto de casa. Por um instante achei que tinham antecipado a final do Campeonato Paulista, marcada para domingo, entre Palmeiras e Corinthians.
O que foi antecipada, soube depois, era a ordem de prisão do juiz Sergio Moro contra o ex-presidente Lula, que na véspera teve negado o pedido de habeas corpus no Supremo Tribunal Federal.
Em pouco tempo, a decisão dominou os assuntos nos grupos de WhatsApp e na timeline do Facebook e do Twitter.
Parte daquelas pessoas, muitas delas conhecidas, estava feliz. Feliz, como se tivesse vencido uma partida de futebol. Os argumentos e provocações a adversários, inclusive, têm muito do espírito da arquibancada, no qual um ganha quando outro é eliminado. Mas política é o jogo do acordo, da cessão. Do quem perde menos para avançar, enfim.
Nós, que tanto gostamos de citar os EUA como modelo, parecemos ignorar um pilar fundamental do jogo democrático americano, em que, como lembra o doutor em ciência política Celso Rocha de Barros em artigo deste mês na revista piauí, o adversário é combatido até um limite; se um lado for excluído, como em um processo de impeachment, o outro sabe que as consequências são a perda de algo maior. A legitimidade.
Por aqui, pilares são reconstruídos e removidos de acordo com a ocasião. Um vórtice quase sempre se abre em seu lugar, e é mais ou menos o que possibilitou, de 2014 para cá, a ascensão e/ou ressurgimento de figuras estranhas ao corpo democrático.
De tudo o que é possível dizer ou se perguntar a respeito do julgamento e dos slogans que ele suscita (“eleição sem Lula é golpe?”, “alguém está acima da lei?”, “alguém está abaixo?”, “é justo que a lei mude para que ele possa concorrer?”) nada parece mais instigante do que entender o que leva alguém a COMEMORAR a prisão de Lula.
Isso porque, na melhor das hipóteses, o julgamento foi correto, cumpriu todos os ritos e ritmos institucionais e levou à prisão não apenas um político, mas uma ideia de fazer política. A ideia de que um operário poderia alcançar a Presidência e que, de lá, poderia assumir o combate à fome e à pobreza como pilar, ampliando os portões de acesso à universidade, universalizando o atendimento público à saúde, garantindo à população mais vulnerável o mínimo do mínimo com um projeto de transferência de renda. Se isso não funcionou na prática, não funcionou de modo duradouro, funcionou às custas de alianças espúrias ou no fim das contas valeu menos do que o interesse de empreiteiras e aliados de caráter duvidoso, vivemos todos uma farsa e a notícia da prisão é o sepultamento de uma ilusão. Nada a comemorar, portanto.

Na pior das hipóteses, Lula foi, como defendem seus aliados, alvo de um sistema jurídico apressado e atento ao timing político das eleições e da agenda de interesses poderosos, assumida pelo governo atual, que o ex-presidente prometia combater em sua possível volta. A constatação de que a Justiça está a reboque de outros interesses se não a justiça seria a mais melancólica das conclusões. De novo, nada a comemorar.

A prisão, então, representaria o fim da impunidade, o desfecho merecido de quem desafiou a lei, a Justiça e a inteligência popular até onde pode? Se esse for o motivo para os rojões, lamento informar que o torcedor está sendo ingênuo.

Meses atrás, o presidente em exercício recebeu um notório pilantra fora da agenda oficial para ouvir, sem qualquer correção, como este havia comprado juízes, procuradores e até o silêncio de um ex-deputado na prisão. O mesmo pilantra entregou uma mala de dinheiro a um aliado indicado pelo próprio presidente dias depois, e conseguiu no muque barrar duas denúncias contra ele no Congresso. Está tão à vontade no posto que alimenta o sonho de se reeleger.
Até aqui, o argumento de combate à impunidade serviu apenas como discurso político, inclusive de quem terá uma campanha inteira para explicar (ou não?) as relações com um cunhado suspeito, com o operador de partido que mantinha R$ 113 milhões na Suíça e com o nome de “Santo” na planilha da Odebrecht. E se amanhã o Santo da causa também for preso, será um motivo a menos para tantos rojões.

O Brasil de 2014 não se tornou menos corrupto. Virou um mais cínico. E mais claro em sua ordem até então velada de que o poder não aceita postulantes de origem operária nem mulheres ou representantes de minorias. Dilma Rousseff foi atacada até cair, com méritos, mas talvez menores do que o sucessor. No caso de Marielle Franco, o breque foram com quatro tiros em via pública.