"Júnior
era um bom filho”, lembra José Gilmar Furtado de Oliveira, pai de uma
das vítimas da Chacina do Benfica, que deixou sete mortos no bairro na
noite de sexta-feira. Ex-zagueiro dos clubes Fortaleza, Ceará e
Ferroviário, o homem pede um minuto antes de retomar a fala. Diz em
seguida: “Meu filho não era traficante. Nem tinha nada a ver com torcida
organizada”. À sombra de uma árvore na rua Padre Roma, no Bairro de
Fátima, Gilmar consola uma mulher que chora ao telefone. Fala que
precisam ter calma agora. Do lado de fora do endereço onde o corpo de
José Gilmar Furtado de Oliveira Júnior é velado, parentes se aglomeram.
O pai, no entanto, afasta-se para prantear sozinho
Caçula de três irmãos, Júnior era cabeleireiro bem-sucedido. Aos 33
anos, tinha imóvel próprio, onde morava com a mãe e a irmã. Gostava de
festas. “Todos os anos ele viajava pra Bahia, onde passava o Carnaval”,
conta o pai. Às sextas-feiras, frequentava a Praça da Gentilândia,
ponto de encontro de jovens e estudantes universitários – a região tem
campi da UFC, IFCE e Uece. “Ele nunca colocou os pés num estádio, mas
adorava festa, é verdade.”
Também jogador de futebol – foi campeão
pelo Sumov, time de futsal, no início dos anos 2000 –, Arley Furtado
de Oliveira, 39, é o irmão mais velho. Ele confirma: Júnior tinha dois
prazeres. Um, o Carnaval. Outro, o trabalho. “A vida dele era isto
aqui”, aponta a casa onde funcionava o salão de beleza. Na próxima
quinta-feira, dia 15, o irmão faria 34 anos. A família, agora reunida
em torno do caixão, vinha lhe preparando uma festa.
“Meu
sobrinho era inocente”, enfatiza Gilvana Furtado, tia de Júnior. “Quero
dizer publicamente: ele não era traficante, como disse esse secretário
(André Costa, titular da Secretaria da Segurança Pública e Defesa
Social) anda dizendo por aí. Mataram um rapaz que trabalhava e gostava
da vida.” Durante coletiva de imprensa no começo da manhã, o titular da
SSPDS afirmara que pelo menos duas das vítimas da chacina na
Gentilândia eram traficantes.
Advogado da família, Pedro
Henrique informa que Júnior era usuário de maconha. “Ele usava, sim. Os
pais e irmãos sabiam. Todos sabiam. Mas não era traficante. E o único
processo pelo qual respondia é justamente porque estava acompanhado de
alguém que portava (a droga)”, disse. O pai admite que, aqui e ali,
tinha dores de cabeça com o filho. Mas “era apenas quando ele tinha as
crises de quem usa a droga”, fala.
Na noite de sexta-feira
passada , Gilmar foi o primeiro a ver o filho. “Me ligaram, e fui
sozinho até a praça. Lá, encontrei o corpo dele”, relata. De acordo com
o pai, um jogador de futebol experimenta sempre duas mortes – uma,
quando se aposenta. A outra, quando morre de verdade. Na noite de
sexta-feira, ele admite: tinha conhecido a sua terceira morte ao ver o
corpo de Júnior no chão da praça.
O enterro de José Gilmar
Furtado de Oliveira Júnior está marcado para as 10 horas de amanhã, no
cemitério Jardim Metropolitano, próximo ao anel viário, no Eusébio,
Região Metropolitana de Fortaleza. (Henrique Araújo,
henriquearaujo@opovo.com.br)