sábado, 20 de janeiro de 2018

Só Surubinha de Leve: Como a gente chegou até aqui?

Divulgação/Yasmin Formiga

Após sucesso de 'Só Surubinha de Leve', milhares de pessoas protestaram contra apologia ao estupro.

"Não sei o motivo de vocês se espantarem com Surubinha de Leve se dançaram Na Boquinha da Garrafa nos anos 90."
É intrigante você parar e pensar que existe, sim, uma certa verdade nesse argumento. Mas é melhor ainda você entender em que momento cada música circulou, e quais os veículos de comunicação impulsionaram seu consumo.

Nos anos 90 quem assistia a algo na TV e não gostava só tinha a opção de mudar de canal. Hoje em dia, quem fica descontente pode ir para internet falar sobre aquilo e encontrar centenas de pessoas que, olha só, também pensam a mesma coisa.

Vi alguns comentários dizendo que tirar a música do ar pode remeter a algum tipo de censura, que em algum ponto isso se transformará em algo maior. Sou do time que defende a liberdade de expressão seja ela qual for, contanto que você assuma e responda por qualquer consequência que ela possa te causar.


Só Surubinha de Leve caiu nessa malha fina; está fora do Spotify e do Youtube. Infelizmente muita gente já ouviu e queria até que ela tocasse no Carnaval.
 
Alguns comentários também diziam que "essa é a cultura de quem escreveu, que de onde sai uma música assim, saem mais dez todos os meses". Mas calma lá, não é porque um grupo entende como uma situação "normal" que pode passar batida uma música que instrui o cara a embebedar uma mulher, transar com ela e deixar na rua depois.


É um passo a passo até muito detalhado para o que o noticiário chama de estupro.
 
É muita coisa que precisa ser assimilada para tentar entender como a gente chegou até aqui. Eu me lembro de que há mais de um ano grande parte do País se indignou com um vídeo que circulou na internet onde vários homens abusavam sexualmente de uma menina, aparentemente drogada.
 
Como toda sociedade democrática, houve aqueles que disseram que ela teve culpa, mas foram as mulheres quem levantaram o tema e fortaleceram o discurso da cultura de estupro naquela época.
Entre uma mão boba e outra nos estúdios de Hollywood, um ator sendo dispensado da Globo aqui e um diretor internacional abusador dirigindo um clipe acolá, o machismo vem toda semana sendo destaque nas matérias dos sites e da TV.
Só Surubinha de Leve já circulava nos aparelhos de MP3 que incomodam o transporte público desde o final de 2017, talvez setembro. Demorou um tempo até que alguém fizesse a primeira reclamação. Pois se não demorasse tanto, não daria tempo de ela se tornar a música mais tocada em algumas categorias do Spotify e ter por exemplo 14 milhões de views no Youtube.
 
Isso me deixa uma dúvida para a qual ainda não consegui encontrar a resposta, quero até que me ajudem.
 
As pessoas que ouviam a música não se importavam com o discurso de dar álcool, transar e dispensar por um pensamento machista? Ou as pessoas não reclamavam porque na verdade não assimilavam o que a letra dizia, ouviam sem prestar atenção e se importar com a letra que cantavam?
 
É importante mostrar para quem quer que esteja criando, publicando e divulgando sua arte que o "aqui" hoje está sendo mais observado. O "aqui" te coloca em lugares que você jamais imaginou chegar. Não existe mais o tempo do "você vai do céu ao inferno". Aqui onde estamos é o céu e o inferno juntos, no mesmo território.
 
Apenas para alimentar a polêmica: onde estão as pessoas que exigiram fechar o Queermuseu e a exposição do MAM e por que tentam minimizar a cultura do estupro, dizendo ser algo comum na vida do funkeiro e da sua comunidade? As mulheres vão levantar essa bandeira sozinhas?
 
*Este artigo é de autoria de colaboradores ou articulistas do HuffPost Brasil e não representa ideias ou opiniões do veículo. Mundialmente, o HuffPost oferece espaço para vozes diversas da esfera pública, garantindo assim a pluralidade do debate na sociedade.