A ofensiva da Procuradoria-Geral da República sobre a coleção de obras
de arte do senador Fernando Collor (PTC-AL) levou à descoberta de uma
rotina de compras de luxos do parlamentar. Leiloeiros entregaram aos
investigadores notas fiscais que somam mais de R$ 1,5 milhão gastos em
antiguidades, porcelanas e joias.
A investigação sobre as
raridades de Collor avançou após o procurador-geral da República,
Rodrigo Janot, receber uma carta escrita por uma testemunha anônima em
outubro de 2015. A testemunha indicou uma galeria, um escritório e um
restaurador por meio dos quais o parlamentar teria desembolsado uma
fortuna. O Ministério Público Federal enviou, então, ofícios de
requisição de informações aos leiloeiros.
Collor
é investigado em seis inquéritos na Operação Lava Jato. Além de
inquérito envolvendo carros de luxo, o senador foi denunciado em outro
processo, acusado de participar de esquema na BR Distribuidora.
Em
julho do ano passado, durante uma das etapas da Lava Jato, a Polícia
Federal apreendeu na Casa da Dinda, residência do senador, carros de
luxo - três exemplares das marcas Porsche e Ferrari, além de um modelo
quase exclusivo da Lamborghini. Segundo a PF, os veículos podem ter sido
pagos com recursos de propina.
"O leiloeiro Emerson Curi
encaminhou notas fiscais de vendas de antiguidades e obras de arte a
Fernando Affonso Collor de Mello nos anos de 2010, 2011 e 2013, tendo
cada uma dessas operações atingido os valores de R$ 651.840, R$ 198.660,
R$ 90.195, R$ 215.500, R$ 242.800 e R$ 135.200. Enviou-se ainda uma
nota de venda a Roberto Mitsuuchi em 2014 no valor de R$ 276.832, diz a
Procuradoria.
As seis notas entregues por Emerson Curi
estão em nome de Fernando Collor de Mello. O documento de número 000031,
datado de 5 de setembro de 2013, aponta que o senador gastou R$ 215.500
em 11 peças, entre elas uma sopeira de prata (R$ 21 mil), jogo de copos
de cristal veneziano (R$ 17.500) e um faqueiro de prata inglesa com 202
peças (R$ 46 mil).
No recibo 000030, de mesma data, outras
11 peças custaram R$ 242.800. Na lista estão fruteira de bronze e
porcelana (R$ 4 mil), jarra para água de prata francesa (R$ 30 mil) e
par de poltronas Luís XVI (R$ 135 mil).
Entre os documentos
há ainda um recibo de "compra ainda pendente de acerto". O papel tem
duas datas, novembro de 2014 e 10 de novembro de 2015 e faz referência a
Roberto Mitsuuchi. "Recebemos de Roberto Mitsuuchi a importância de R$
276.832, referente a compras realizadas em leilão, conforme relacionado
acima", diz a nota que não tem assinatura.
Ilação
Collor
afirmou que a participação em leilões mediante representante,
procurador ou broker é prática comum para assegurar o preço justo, e não
a inflação dos lances em razão da identidade do comprador. "Todas as
obras adquiridas foram pagas com recursos próprios, de origem lícita,
com emissão de notas fiscais em seu nome. A ilação de prática de lavagem
a partir de denúncia anônima sem qualquer comprovação é conduta
absolutamente irresponsável e temerária, não merecendo qualquer
credibilidade."
Roberto Mitsuuchi afirmou que representou
Collor em leilões de arte, "sempre dentro da legalidade". "Os pagamentos
das obras adquiridas sempre foram feitos diretamente por ele, inclusive
em seu nome foram emitidas as devidas notas fiscais. Jamais me
prestaria a ser laranja de qualquer pessoa", disse.
Carta anônima aponta "laranja" de Collor
Carta
escrita por uma testemunha anônima e endereçada em outubro de 2015 ao
procurador-geral da República, Rodrigo Janot, abriu caminho para uma
investigação sobre o "acervo" mantido pelo senador Fernando Collor
(PTC-AL). A testemunha indicou uma galeria, um escritório e um
restaurador.
A partir dessas informações, a
Procuradoria-Geral da República, com autorização do Supremo Tribunal
Federal, deflagrou a Operação Catilinárias - desdobramento da Lava Jato
-, em dezembro do ano passado. A carta apócrifa havia sido enviada dois
meses antes. Ao STF Janot relatou que, "de posse desses dados, o
Ministério Público realizou diligências preliminares para confirmar a
veracidade das informações anônimas".
"Ilmo. Senhor
Procurador-Geral da Republica, Dr. Rodrigo Janot. Há cerca de 2 meses
estou para escrever a V. Exa depois que foi difundido nos meios de
comunicação social sobre a apreensão de bens nomeadamente carros do
senador Fernando Collor de Mello", escreveu a testemunha, em 36 linhas
datilografadas.
Para fazer chegar sua correspondência às
mãos de Janot, em Brasília, o denunciante identificou-se com nome e
endereço fictícios. "O senador não é só colecionador de carros, mas
também de obras de arte, sobretudo peças raras e importantes de alto
colecionismo, que vai desde pinturas modernistas, a pratas, baixelas,
tapetes persas, joias, móveis, porcelanas, a esculturas art-deco de
Fernand Preiss a Chiparus, entre outras raridades adquiridas em leilão."
A
testemunha afirmou a Janot, na carta, que Collor adquiria suas obras de
arte em leilões, mediante a intermediação de um restaurador de nome
Roberto Mitsuuchi e os pagamentos ocorreriam em espécie.
"Como
é óbvio o senador não dava a cara nem aparecia, então para as compras
tinha um 'laranja', de nome Roberto Mitsuuchi, com a profissão de
restaurador em São Paulo, que realizava as compras, muitas in loco ao
telefone com o senador para dar os lances, os pagamentos sempre em
espécie com quantias que variavam entre 200 e 300 mil reais em
prestações, bem como a retirada das mesmas e era este que realizava as
entregas na casa de Brasília no Lago Norte, conhecida como casa da
Dinda", diz a carta.
Di Cavalcanti
A
carta cita a compra de uma obra de Di Cavalcanti. "Eu chamo a atenção do
senhor procurador, para antes de atuar, chamar os agentes da PF que
fizeram buscas nas casas do senador, e lhes pergunte como estas estavam
decoradas, com certeza que lhe vão confirmar com obras de arte e
antiguidades diversas. Inclusive junto cópia do catálogo da obra de Di
Cavalcanti adquirida por cerca de R$ 2 milhões.
A citação
chamou a atenção dos investigadores. Durante outra operação, em julho do
ano passado, na Casa da Dinda, a Polícia Federal havia apreendido
carros de luxo e obras de arte, entre elas, um quadro de Di. Segundo o
procurador, "no mesmo local foi apreendido um quadro de Di Cavalcanti
cuja descrição é compatível com a reprodução anexada à representação
apócrifa".