A franquia brasileira de The Voice – uma versão do programa de TV norte-americano – ganhou mais um vencedor na semana que se passou. Mais um intérprete. Mais um nome falado exaustivamente nas redes sociais. Mais um trending topic fadado a sumir.
Nada contra intérpretes, longe disso. Mas vamos ser honestos: qual é a chance de um reality show (lembrando The Voice, Fama, Ídolos, Astros e etc.) realmente descobrir um talento nato, um grande músico, um gênio, alguém que não seja esquecido em poucos meses, alguém que não seja mais um? Por onde andam todos esses ganhadores?
O nome mais recente do reality show brasileiro é Sam Alves. Grande técnica, timbres incríveis, alcance vocal e uma história tocante. Prato cheio para a audiência do The Voice Brasil, agora em horário nobre. Sua passagem pelo programa marcou seus recentes fãs com interpretações de canções como When I Was Your Man (Bruno Mars), Não Quero Dinheiro (Tim Maia) e Hallelujah (Leonard Cohen).
O que há nessas canções de novidade? Nada. Continuam sendo grandes músicas. Composições, letras, palavras, melodias, arranjos, riffs, harmonias que vivem e viverão muito mais do que aqueles que as escreveram e as montaram de forma tão visceral.
Uma voz jamais será maior que uma canção.
Ouvir alguém cantar Hallelujah pode ser bonito. Ouvir alguém deixar a letra de lado para mostrar sua potência vocal é irritante.
Posso citar dezenas de compositores sensacionais que nunca foram famosos por suas capacidades vocais. A voz rasgada de Bob Dylan expressou sentimentos escritos ali melhor que qualquer grito tecnicamente calculado no horário nobre. Ele, Paul McCartney, Tim Maia, Paul Simon e Art Garfunkel seriam certamente gongados do programa.
Isso te parece certo?
Nesta edição, a TV Globo anunciou que os competidores poderiam cantar suas próprias composições.
Confesso que isso me empolgou. Passou.
Pataquada.
Uma grande chance desperdiçada de ver alguém aparecer com uma letra interessante, versos criativos e qualquer coisa que contribua mais aos nossos ouvidos do que “tche tche re rê” e “ai se eu te pego”. Foram poucos na primeira fase que escolheram esse caminho arriscado. Mostrar seu talento como compositor ou recauchutar uma música que já tocou na novela?
O reality show se apresenta como um grande catalisador da música, uma ferramenta renovadora em busca de novos talentos, mas induz os participantes a fazerem mais do mesmo.
Imaginem uma terceira temporada onde os cantores levam suas próprias composições – todas em português – e o grande desafio do programa seja seus técnicos os ajudando a lapidar novas músicas para que se tornem sucessos.
No lugar disso, o programa vai no tiro certo: músicas que já são sucesso em versões novas. Doze horas depois são vendidas a 0,99 centavos no iTunes e logo enchem as listas das paradas com hits reciclados com artistas descartáveis, entregues novamente à própria sorte em shows em bares e restaurantes por aí.
Encontrar novas vozes se mostrou nesta segunda temporada mais uma tarefa fácil para o programa.
Mas o que isso agrega para a nossa música?
As canções que tanto emocionaram nas redes sociais já existiam antes do programa e existirão depois dele.
As interpretações exageradas e cheias de floreios estarão para sempre no iTunes, mas deixarão de serem baixadas em breve.
Enquanto o programa recicla mais do mesmo, a música segue dominada pelo “pre-para”, “ai se eu te pego” e “tche tche re rê”.
Vivemos uma época em que se consome o pior da música popular. Um tempo onde refrões ganham fonemas no lugar de palavras para serem repetidos mais facilmente nas rádios e baladas.