Pelo
menos 13 corpos carbonizados, dez decapitados e outros 14 com sinais de
tortura foram achados em Fortaleza e Região Metropolitana desde o
início do ano. Os casos redefinem a escala de violência adotada pelo
crime organizado no Estado. Além da eliminação de inimigos, a crueldade
se torna peça de propaganda das facções. Criminosos querem espalhar o
medo e mostrar força em áreas desassistidas pelos governos. Para as
organizações, matar não é mais suficiente: é preciso fazer sofrer e
aterrorizar.
Barra
do Ceará, Pirambu, Lagamar, Jangurussu, Siqueira, Granja Lisboa, Bela
Vista, José Walter e Planalto Pici acumulam os casos mais bárbaros. As
regiões se destacam também pelo alto número de homicídios, além de serem
consideradas reduto de facções. No modus operandi das organizações,
decapitar e carbonizar são o último golpe. Antes, os executores torturam
com esquartejamento e espancamento. Há casos ainda em que as vítimas
têm cabelos raspados e corpos pichados.
Conforme Cláudio Justa,
presidente do Conselho Penitenciário do Ceará (Copen), as ações são
cruéis para servir de exemplo àqueles que questionam o poder das facções
nas comunidades. Já para os inimigos, é demonstração de força. “Como
esse poder não é institucionalizado, ele tem que ser imposto com crueza.
Assim, as facções demarcam que aquela comunidade deve se submeter às
ordens dessas lideranças”, explicou. Com a população assustada, e sem a
presença permanente de forças da segurança pública para se opor às
organizações, os criminosos sinalizam que a lei do tráfico é na área.
De
acordo com Leonardo Sá, sociólogo e pesquisador do Laboratório de
Estudos da Violência (LEV), da Universidade Federal do Ceará (UFC),
fatores como o mercado ilegal de armas e drogas, além da falta de
continuidade nas investigações da Polícia Civil contribuem para o
aumento dos crimes violentos. Para ele, o principal problema desse novo
modo de operar dos criminosos é a naturalização de níveis mais cruéis da
violência pela população. “Se os bandidos são brutais, os policiais
devem ser brutais. Esse raciocínio é um erro. E mostra também a fraqueza
do governo. Governo forte não é o que age com brutalidade para combater
a brutalidade”, criticou.
Guerra
Para os
pesquisadores, o medo imposto pelas facções cria a lógica da guerra. “E
quando a Polícia também usa o jogo da guerra, entrando nesse jogo, os
resultados tendem a ser catastróficos. O Estado deixa de ser voltado
para a paz. Perde sua função”, comentou Sá.
Para o presidente do
Copen, essa mudança de postura já ocorreu no Ceará. Ele citou indícios
como o aparelhamento das ações ostensivas, a expansão do Raio e a
criação de forças especiais da Segurança Pública. “A Polícia tenta
desconstruir o poder das facções dizendo que é maior e mais bem
treinada. No fundo, é uma guerra. E os criminosos respondem demonstrando
que são experts em violência. Se é guerra, a deles é essa: com
decapitação, carbonização e tortura”, afirmou Justa.
Uma
casa usada somente para julgar, matar e esquartejar vítimas do tráfico
foi descoberta por policiais militares terça-feira, 27. O apartamento,
na comunidade Babilônia 2, no Barroso, tinha marcas de sangue e
pedaços de corpos.
“Passamos em frente ao local, que estava
aberto. Tinha muitas marcas de sangue nas paredes e no chão. Havia um
pote com um dedo e um pulmão humano. No tapete, tinha outro dedo e um
pedaço de orelha”, descreveu um policial que pediu para não ser
identificado. No apartamento, havia ainda pedaços de pele de diferentes
vítimas.