O assassinato com requintes de crueldade do comerciante
Manoel Pedro Birino, 59, no Grande Jangurussu, teria sido motivado pelo
interesse de integrantes de uma facção criminosa em uma vila de 12 casas
que seu Birino possuía na comunidade Unidos Venceremos. A intimidação
de pessoas ou de famílias expulsas dos lares por traficantes tem sido
uma escrita no cenário da insegurança pública na periferia de Fortaleza.
No quarto dia da série de reportagem iniciada no último domingo 8, O
POVO conta hoje alguns desses dramas,. A série discute o terror
implantado pelas facções nos bairros da capital cearense.
No
dia 19 de maio deste ano, Manoel Birino tinha saído de casa para cuidar
dos negócios e só reapareceria, sem vida, três dias depois. Não fossem
os boatos sobre o assassinato e o desespero da mulher dele, Maria
Agoreth Rocha, um amigo da família e a enteada de Birino não teriam ido
ao necrotério da Polícia Forense do Ceará (Pefoce) reconhecer o corpo de
um homem carbonizado, que havia sido encontrado por policiais em um
barraco no sopé do antigo aterro do Jangurussu, na Regional 6.
Era
Manoel Birino. Para o delegado Osmar Berto Torres, da Divisão de
Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), mais um assassinato ligado à
disputa entre facções criminosas pelo território e o controle do tráfico
de drogas numa das áreas mais vulneráveis para se existir em Fortaleza.
“Nessa região (Grande Jangurussu), os homicídios com esse perfil não
são poucos”, disse sem cravar números.
“Cidadão de bem”, segundo
Osmar Berto, sem antecedentes criminais e nenhuma ligação com as
quadrilhas da área, a morte de Birino não aconteceu no contexto da
rivalidade em que os inimigos vão se eliminado. Mas na imposição do
“poder paralelo” no bairro. “É certo que foi praticado por traficantes
de uma das facções, estamos investigando a motivação do crime”, observou
o delegado que prendeu um suspeito de participar da execução.
Uma
fonte, ouvida pelo O POVO, que não será identificada por questões de
segurança, aponta o interesse dos bandidos da facção criminosa pelas
casas do comerciante. Além disso, eles estariam desconfiando que a
vítima seria informante da Polícia. “Depois que mataram seu Birino,
expulsaram todas as famílias que moravam na vila dele”,
afirmou.
De acordo com a fonte, fora a expulsão dos inquilinos de
Manoel Birino, pelo menos 25 famílias teriam sido enxotadas da
comunidade Unidos Venceremos. Gente que teria chegado na época da
ocupação, há 20 anos. “Aqui está um inferno. Tem gente doente dos
nervos, tem gente que está endoidando, tem pessoa que não sai mais na
calçada, tem gente que fica trancada 24 horas, tem gente que perdeu
trabalho, tem criança que não vai mais pra escola”, desabafou.
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Segundo
a fonte, os moradores da comunidade Unidos Venceremos se chocaram com a
notícia do desaparecimento e posterior morte de Manoel Birino. Mais
ainda, porque as histórias sobre o que estava acontecendo teriam
circulado pelas ruas mal cuidadas da antiga ocupação. “Pirangueiro fala
muito na esquina, quer mostrar marra, botar medo. Muita coisa é mentira,
outras não”, explicou.
A vítima, conta a fonte, teria passado
três dias encarcerada em um barraco próximo à rampa desativada do
Jangurussu. Entre as sessões de tortura, os criminosos teriam conseguido
a senha do comerciante para saques bancários. “Peça à Polícia pra olhar
o histórico do cartão do banco desse senhor. A moto dele circulou por
aqui e pela Babilônia (ocupação próxima à Unidos Venceremos) e não era o
seu Birino”, deu a pista.
Números
1 apartamento na
comunidade Babilônia, assentamento precário do Grande Jangurussu,
funcionaria como “tribunal da morte” para uma facção. No último 27/9, a
Polícia encontrou lá um pulmão humano, dedos cortados e uma orelha
decepada
SAIBA MAIS
A Secretara da Segurança Pública do Ceará terá de
encontrar estratégia para acompanhar e resolver os casos de pessoas
expulsas de suas residências pelas facções. Geralmente, por causa do
medo de morrer ou testemunhar a morte de parentes, ninguém faz boletim
de ocorrência. Ameaçadas, as vítimas dão um jeito de sair rápido do
bairro e optam pelo anonimato para preservar outros parentes ou amigos
que ficam nas comunidades.
Em entrevista ao repórter Thiago Paiva, o secretário da
Segurança Pública do Ceará, André Costa, reconheceu que o levantamento
desse tipo de ocorrência é pontual. A pasta não tem essas informações
sistematizadas por bairros nem possui o número de pessoas atingidas
por mais essa chaga da insegurança em Fortaleza.
Amedrontada, dificilmente a família expulsa vai querer
voltar para o bairro. “Mesmo com a investigação”, admite André Costa.
“A gente precisa pensar em nível macro”, diz Costa referindo-se ao
monitoramento de “ local onde estão atuando as facções, em escola,
nessas moradias, pichações, onde espalham mensagens nas redes sociais.
Tudo está sendo mapeado para que seja dada uma resposta macro e não
pontual”,acrescenta.
O programa Ceará Pacífico também não acompanha as famílias que foram expulsas das moradias pelas facções.
DEMITRI TúLIO