O presidente Jair Bolsonaro sancionou a lei aprovada pelo
Congresso que autoriza a internação involuntária (sem consentimento) de
dependentes químicos sem a necessidade de autorização judicial. A medida
ainda gera divergências entre profissionais responsáveis pelo
tratamento. O texto foi publicado nesta quinta-feira (5) no Diário
Oficial da União.
Além de endurecer a política nacional antidrogas, a lei fortalece as
comunidades terapêuticas, instituições normalmente ligadas a
organizações religiosas.
A nova lei estabelece que:
- a internação involuntária só poderá ser feita em unidades de saúde e hospitais gerais
- a internação voluntária dependerá do aval de um médico responsável e terá prazo máximo de 90 dias, tempo considerado necessário à desintoxicação
- A solicitação para que o dependente seja internado poderá ser feita pela família ou pelo responsável legal; não havendo nenhum dos dois, o pedido pode ser feito por um servidor da área da saúde, assistência social ou de órgãos integrantes do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad), exceto da segurança pública
Proposto pelo deputado Osmar Terra (MDB-RS), atual ministro da
Cidadania, o projeto foi aprovado pela Câmara em 2013 e encaminhado
naquele ano ao Senado, onde só foi aprovado em 15 de maio.
Voluntária x involuntária
A Lei de Drogas em vigor não trata da internação involuntária de
dependentes químicos. Com a nova lei, que vale já a partir desta
quinta-feira, passa a haver um clara distinção da internação voluntária,
com consentimento do dependente, e da involuntária.
A lei sancionada por Bolsonaro também estabelece que a internação
involuntária depende de avaliação sobre o tipo de droga consumida pelo
dependente e será indicada “na hipótese comprovada da impossibilidade de
utilização de outras alternativas terapêuticas previstas na rede de
atenção à saúde”.
Pelo texto, a família ou o representante legal do paciente poderão
solicitar a interrupção do tratamento “a qualquer tempo”. Além disso, a
lei determina que tanto a internação involuntária quanto a voluntária
devem ser indicadas somente quando “os recursos extra-hospitalares se
mostrarem insuficientes”.
Comunidades terapêuticas
A lei inclui as Comunidades Terapêuticas Acolhedoras no Sisnad. De
acordo com o texto, a permanência dos usuários de drogas nesses
estabelecimentos de tratamento poderá ocorrer apenas de forma
voluntária. Para ingressar nessas casas, o paciente terá de formalizar
por escrito seu desejo de se internar.
O texto estabelece que esses locais devem servir de “etapa
transitória para a reintegração social e econômica do usuário de
drogas”. Ainda que o paciente manifeste o desejo de aderir às
comunidades, será exigido uma avaliação médica prévia do dependente.
O acolhimento dos dependentes nessas comunidades deve ser dar em
“ambiente residencial, propício à formação de vínculos, com a
convivência entre os pares, atividades práticas de valor educativo e a
promoção do desenvolvimento pessoa”. Fica vedado o isolamento físico do
usuário nesses locais.
Itens vetados
O presidente, entretanto, vetou quatro itens que haviam sido aprovados pelo Congresso. Os trechos barrados permitiam que:
- pessoas que não são médicos avaliassem o risco de morte de um dependente, para que o acolhimento pudesse ser feito de imediato nas comunidades terapêuticas
- fosse dada prioridade absoluta no SUS para as pessoas que passam por atendimento em comunidades terapêuticas
- a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) definisse as regras de funcionamento das comunidades terapêuticas
- as comunidades não fossem caracterizadas como equipamentos de saúde
Pesquisa censurada e site fora do ar
A lei foi sancionada após polêmicas envolvendo o governo federal e
dados usados na criação de políticas antidrogas. O ministro da
Cidadania, Osmar Terra, autor do projeto sancionado nesta quinta pelo
presidente, vem contestando o resultado de uma pesquisa feita pela
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) que concluiu que não existe uma epidemia
de drogas no Brasil.
O estudo acabou censurado pelo Ministério da Justiça, que alegou
discordar da metodologia. A pesquisa ouviu mais de 16 mil pessoas entre
2014 e 2017.
Além disso, o governo tirou do ar o site do Observatório Brasileiro
de Políticas sobre Drogas (Obid), com levantamentos nacionais sobre uso
de drogas no país O Ministério da Cidadania informou que o site ficou
fora do ar porque está sendo “migrado e atualizado”, após deixar a pasta
da Justiça no início do governo de Jair Bolsonaro.
A página do Obid é o único banco de dados oficiais com os
levantamentos nacionais sobre o uso de drogas e uma importante fonte de
referência para pesquisadores e profissionais da área de saúde que
trabalham com dependentes químicos.
G1