Chegamos em setembro e a crise desencadeada pela pandemia do coronavírus
parece longe de acabar. Aos poucos, os dados ficam prontos e revelam o
tamanho do desastre que enfrentamos: o PIB do segundo trimestre (Produto
Interno Bruto, que representa tudo o que o país produziu internamente
entre abril e junho) apresentou uma queda de 9,7% frente ao primeiro
trimestre deste ano.
As crises na economia capitalista são quase como os tsunamis: acontecem
de tempos em tempos, não podem ser previstas com exatidão e os estragos
causados só podem ser medidos efetivamente quando a onda gigante passa.
Estamos no meio da onda gigante, perdidos entre governantes extremamente
negligentes.
O que começou como uma questão de saúde pública rapidamente agravou a
crise econômica e política que vivemos desde 2013, pelo menos. A
pandemia afetou a economia brasileira profundamente porque abalou uma
base estrutural desse país: o trabalho informal. Da noite para o dia,
milhões de famílias que dependem do trabalho informal para sobreviver se
viram com dificuldades de vender seus produtos e serviços, em função do
isolamento. Para parte expressiva dessas famílias, o isolamento não foi
uma opção. E o resultado são as imensas taxas de mortalidade nas
regiões mais vulneráveis, com menor acesso ao emprego formal.
Na esfera política, por sua vez, o projeto neoliberal (de corte de
gastos públicos, privatizações e desregulamentação) iniciado no governo
Temer e consolidado por Paulo Guedes se viu limitado pela realidade
concreta. Diante da crise econômica instaurada pelo coronavírus, até o
mais liberal dos economistas teve que admitir a necessidade urgente de
políticas distributivas.
Apesar da grande resistência inicial do governo, o auxílio emergencial
de R$ 600 foi o que segurou o Brasil até aqui de cair em uma recessão
mais profunda ainda. Bolsonaro tenta, hoje, converter essa medida em
ganhos políticos porque sabe que, não fosse esse auxílio, o Brasil
certamente teria voltado para o mapa da fome mundial em questão de
meses.
Não nos esqueçamos que todas as políticas distributivas implementadas
pelo governo até aqui foram cercadas de muita resistência. O bate-cabeça
da política nacional, que resiste à aceitação do óbvio, me lembrou a
entrevista da brilhante economista Maria Conceição Tavares, para o Roda
Viva, em 1995. Nessa entrevista, ela fala:
"Uma economia que diz que precisa primeiro estabilizar, depois crescer e
depois distribuir é uma falácia. E tem sido uma falácia. Nem
estabiliza, cresce aos solavancos e nem distribui [renda]. Essa é a
história da economia brasileira desde o pós-guerra."