O ator paulista Leonardo Villar morreu hoje, aos 96
anos, em São Paulo. Na quinta, ele passou mal e foi levado a um
hospital. Estava lúcido, apesar da idade, e se recuperava de uma
cirurgia no fêmur, realizada há um mês, mas sofreu uma parada cardíaca.
Por conta da pandemia, não haverá velório e seu corpo será cremado, como
era desejo do ator.
Villar alcançou fama global ao interpretar o Zé do Burro, personagem
principal do filme 'O Pagador de Promessas', de Anselmo Duarte, vencedor
da Palma de Ouro no Festival de Cinema de Cannes em 1962.
Ele também interpretou Lampião em 'Lampião, Rei do Cangaço' (1964),
de Carlos Coimbra, e Augusto Matraga, em 'A Hora e a Vez de Augusto
Matraga' (1965), de Roberto Santos, entre diversos outros filmes. Nas
décadas seguintes, consolidou uma carreira na televisão ao participar de
diversas novelas da Tupi e da Globo. Seu último trabalho foi na novela
'Passione', de 2010.
Foi no teatro, porém, que iniciou sua carreira. Leonildo Motta (seu
nome de batismo) nasceu em Piracicaba, em 1923, começou na Companhia
Dramática Nacional (CDN), e depois atuou no Teatro Brasileiro de Comédia
(TBC), onde permaneceu por oito anos. Uma peça de Arthur Miller ('Um
Panorama Visto da Ponte') e depois a de Dias Gomes, entre 1958 e 1960,
alçaram seu nome ao primeiro círculo dos atores brasileiros.
No Estadão, em uma crítica da peça de Miller em 1958, Décio de
Almeida Prado escreveu: "Leonardo Villar está tão comovente e humano
como em 'Um Panorama Visto da Ponte'. Não é fácil parecer bom em cena:
percebemos, com facilidade, a contrafação. Leonardo Villar não só
retrata com tocante veracidade a inocência, mas o faz sem emprestar-lhe
nada de edulcorado ou de piegas".
É conhecido o embate entre Anselmo Duarte (galã do cinema da época) e
Dias Gomes, dramaturgo de opiniões de esquerda, sobre a adaptação de 'O
Pagador de Promessas' para o cinema. Ao comprar os direitos, Anselmo
armou-se de uma cláusula, que lhe assegurava o direito de fazer mudanças
no original. Dias Gomes assegurou-se de outra cláusula. Flávio Rangel
teria de ser diretor assistente.
No limite, Anselmo fez as mudanças que julgava necessárias para tornar a
história mais cinematográfica e eliminou a função do assistente. Dias
Gomes leu o roteiro e achou uma m... Segundo Anselmo, acusou-o de estar
estragando sua criação. A essa altura, Anselmo ligara-se ao produtor
Anibal Massaini, que não estava colocando dinheiro, mas tinha know-how
suficiente para fazer o projeto andar. Massaini teria lhe dito que
tivesse calma, que Dias iria se amansar. O próprio Anselmo talvez
tivesse se arrependido, se houvesse cedido a outra exortação do
produtor. Pensando comercialmente, Massaini achava que o ator do teatro,
Leonardo Villar, não teria apelo para grandes plateias. Tentou
convencer Anselmo a contratar Mazzaropi para o papel, mas ele bateu pé.
Seria Villar, e ninguém mais.
O filme foi a Cannes e brigava na competição com nomes como
Michelangelo Antonioni ('O Eclipse'), Luís Buñuel ('O Anjo
Exterminador'), Sidney Lumet ('Longa Jornada Noite Adentro') e Agnès
Varda ('Cléo das 5 às 7'). Depois, muita história rolou na imprensa
brasileira. Criou-se um conflito de narrativas. O filme não teria
vencido por suas qualidades, mas porque o júri não conseguira chegar a
um consenso - mas não importa. 'O Pagador de Promessas' é um clássico, e
o Leonardo Villar foi parte fundamental nessa história.